O amanhecer do hidrogénio verde está a ser desenhado a partir de Bruxelas
O hidrogénio verde é um dos combustíveis em que a União Europeia quer apostar para fazer a transição energética. Fomos conhecer vários projectos em andamento relacionados com este novo ecossistema.
Num terreno da Universidade Católica de Leuven, nos arredores da cidade belga, há hidrogénio a ser produzido. O gás é gerado dentro de painéis de hidrogénio da empresa Solhyd. Os painéis colhem a água (H2O) da humidade do ar, cujas moléculas são uma fonte de hidrogénio, captam os fotões vindos do Sol tal como os painéis solares, e com essa energia partem as moléculas de água para produzir o hidrogénio.
Ao olho humano, o processo químico é invisível, mas Jan Rongé, director executivo da Solhyd, aponta para um cilindro de vidro tapado nas extremidades, onde um tubo está mergulhado na água, que borbulha. “É apenas para visualizar o gás, para que se possa ver que está a borbulhar”, explica Jan Rongé.
O engenheiro químico é director executivo da Solhyd, que está a nascer no seio daquela universidade e quer dar cartas na transição energética que a União Europeia (UE) está a desenhar, no intuito de diminuir as emissões de dióxido de carbono (CO2) que alimentam o efeito de estufa e as alterações climáticas.
Dentro da política de transição, há uma ambição para que o hidrogénio produzido com energias renováveis, conhecido como hidrogénio verde, seja usado como fonte energética, além de matéria-prima.
Nesse contexto, Jan Rongé tem vários argumentos para vender os seus painéis, comparando-os aos electrolisadores, a tecnologia mais conhecida associada à produção de hidrogénio verde. Os electrolisadores necessitam de água purificada para produzir o hidrogénio e servem-se de uma corrente eléctrica para partir as moléculas de água. Para que a produção seja realmente verde, a electricidade usada tem de vir de fontes renováveis, como a solar ou a eólica.
Mas no caso dos painéis de hidrogénio da Solhyd não é necessária uma fonte constante de água, já que o aparelho se serve da humidade do ar. Além disso, os electrolisadores exigem estar a funcionar a uma potência máxima para se tornarem rentáveis, já os painéis trabalham com a energia que têm.
“Há muitas vantagens tecnológicas [nestes painéis], mas para nós a vantagem mais importante é que são completamente autónomos”, assegura o perito. “Não precisam de nada. Colocam-se num sítio qualquer e produzem hidrogénio.”
A Universidade Católica de Leuven é o último local de visita de uma viagem de três dias organizada pela Direcção-Geral de Energia da Comissão Europeia, que quis mostrar aos jornalistas “o potencial papel que o hidrogénio pode ter na transição energética limpa”, segundo o que se lê no resumo da viagem. Os projectos e locais apresentados centraram-se entre a Bélgica e os Países Baixos. Não se falaram, em geral, de projectos desenvolvidos nos outros Estados-membros, incluindo Portugal.
A visita destacou alguns dos projectos que recebem financiamento da União Europeia (UE), como é o caso da Solhyd. Desde 2011 que a equipa de investigadores, que faziam parte daquela universidade, está a trabalhar no projecto que resultou nos painéis. A estrutura tem uma parte de cima espelhada, tal como os painéis solares, e que capta os fotões. Nas partes laterais, há uma rede de buracos que servem como via de entrada para o ar e a sua humidade, de onde são colhidas as moléculas de água que irão ser partidas para a produção do gás.
No contexto belga, Jan Rongé estima que um dos seus painéis solares produza cerca de seis quilos de hidrogénio ao fim de um ano. Em Espanha, onde há mais exposição solar, o engenheiro acredita que se possa obter o dobro do peso. Isto significaria que na Península Ibérica, na devida escala de manufactura, a produção de hidrogénio atingiria os dois euros por quilograma, de acordo com a estimativa do empresário.
“A primeira demonstração foi em 2013”, explica Jan Rongé. “Fomos os primeiros no mundo a mostrar que isto poderia ser feito, claro que não atingimos uma produção óptima naquele momento.” Agora, a empresa vai aumentar o negócio nos próximos anos.
Objectivos europeus
Há muito que se sabe que o hidrogénio, o elemento químico mais simples da Tabela Periódica, tem um grande potencial enquanto fonte de energia. Embora seja muito abundante na Terra, os átomos de hidrogénio estão normalmente ligados a outros átomos, formando moléculas como os hidrocarbonetos e a água. Para obter moléculas de hidrogénio (H2) é necessário retirá-lo daquelas substâncias. Esse é o desafio.
Hoje, há dez milhões de toneladas de hidrogénio produzidos na Europa, principalmente para a indústria de fertilizantes, mas são produzidos a partir de gás, um hidrocarboneto, e há emissão de CO2. Na estratégia europeia para a transição energética, quer-se uma produção de hidrogénio limpa. A política da UE contempla tanto o hidrogénio verde como o azul, quando o gás é obtido a partir de hidrocarbonetos, mas o CO2 emitido é capturado e armazenado debaixo de terra, evitando acumular-se na atmosfera. No entanto, há uma clara preferência pelo hidrogénio verde.
Segundo os objectivos da UE, até 2030 espera-se atingir a produção interna de dez milhões de toneladas de hidrogénio a partir de electrolisadores, ligados a energias renováveis, que somados terão uma potência de 40 gigawatts. Outros dez milhões de toneladas do gás serão importados.
Esta vontade integra a estratégia do Pacto Ecológico Europeu para atingir a neutralidade carbónica em 2050 de uma forma gradual. Até 2030, o objectivo é reduzir as emissões em 55% face aos níveis de 1990. No final de Março, o Conselho Europeu e o Parlamento Europeu chegaram a um acordo provisório para, até 2030, aumentar a percentagem de energias renováveis de 32% para um mínimo de 42,5% do consumo geral de energia.
“Um aumento significativo de velocidade e de escala das energias renováveis na produção de energia, indústria, nos edifícios e nos transportes irá reduzir o preço de energia ao longo do tempo e decrescer a dependência da UE de fósseis importados”, lê-se num comunicado da Comissão Europeia.
O hidrogénio não foi esquecido no acordo. Espera-se que até ao fim desta década 42% do total do hidrogénio consumido nas actividades industriais seja renovável. No cômputo geral das energias usadas na Europa, este gás tem um peso menor, mas o desejo é mudar esse cenário.
“A quota de hidrogénio no cabaz energético da Europa deverá passar de um valor inferior a 2%, registado actualmente, para valores entre 13% e 14% até 2050”, lê-se no documento da Comissão Europeia sobre a estratégia para o hidrogénio, publicado em 2020.
Quatro apostas
O hidrogénio poderá servir de combustível para veículos, como camiões, e outros meios de transporte, na produção de altas temperaturas necessárias para indústrias como a do aço e do cimento, que hoje usa gás natural, e como matéria-prima para a indústria química, onde se incluem os fertilizantes. Para se produzir amónia (NH3), muito usada para fertilizante, é necessário hidrogénio.
No entanto, instalar uma nova indústria do zero, capaz de produzir quantidades suficientes de matéria-prima e levá-la para os pontos de abastecimento necessários, através de uma rede funcional, é um desafio. É esta barreira que a União Europeia está a tentar ultrapassar através de várias medidas.
“A primeira coisa a fazer é criar um mercado”, explica Ruud Kempener, engenheiro químico e responsável pela estratégia do hidrogénio dentro da Comissão de Energia da comissária Kadri Simson. “Como é que se faz isso? Uma das coisas é pôr em prática propostas em que os usuários finais terão de começar a usar hidrogénio renovável, particularmente a indústria e o sector dos transportes”, explicou o responsável aos jornalistas, em Bruxelas, logo no primeiro dia de viagem.
Ruud Kempener vai enumerando os quatro âmbitos em que a Comissão Europeia está a trabalhar para fomentar o mercado de hidrogénio. O primeiro tem que ver com as definições e os critérios acerca do uso de hidrogénio, quer ele seja produzido a partir de energia renovável, quer ele seja produzido a partir de processos que geram baixas emissões de CO2, como é o caso de hidrogénio azul e do hidrogénio rosa (produzido a partir de energia vinda do nuclear).
O segundo está ligado com as infra-estruturas para o transporte de hidrogénio, os gasodutos. “Temos de criar do zero toda uma nova infra-estrutura para o hidrogénio. Por isso, são necessárias novas regras”, explica.
O terceiro âmbito está ligado ao financiamento. “Apesar de os preços do gás natural estarem muito altos, a produção de hidrogénio ainda é mais cara”, afirma o especialista. “Isso significa que é necessário financiamento público.” Estima-se que até 2050 haja um investimento no hidrogénio verde entre 180 e 470 mil milhões de euros e no hidrogénio azul entre os três e 18 mil milhões de euros, de acordo com a Comissão Europeia.
Há dois documentos que estão a ser desenvolvidos pela Comissão ligados ao financiamento. Um está associado ao próprio orçamento da UE, para apoiar projectos de demonstração de infra-estruturas de grande escala. O outro centra-se nos Estados-membros para haver “regras em vigor que assegurem que cada país tem mais ou menos os mesmos critérios de apoio [de projectos de hidrogénio], de forma a assegurar que todos estejam ao mesmo nível dentro da UE”, explica Ruud Kempener.
O quarto âmbito é uma aposta no desenvolvimento da tecnologia e da inovação. “Neste momento, as maiores fábricas para a produção de hidrogénio renovável são de 20 megawatts. O que queremos para 2030 é atingir pelo menos 80.000 megawatts [80 gigawatts]”, adianta.
O ovo e a galinha
Em Março, a Comissão Europeia anunciou a criação do Banco Europeu de Hidrogénio para estimular a nova indústria. A iniciativa não foi criada para garantir empréstimos a projectos de produção de hidrogénio. Em vez disso, o banco pode financiar o valor extra da produção de hidrogénio renovável, enquanto o preço da produção do gás não baixar mais.
O sistema vai ser feito através de leilões e de apostas, para “ser competitivo”, diz Ruud Kempener. Um produtor pode “produzir cinco quilos de hidrogénio por cinco euros por quilo e pode encontrar um comprador que só pode pagar quatro euros por quilo, e depois pode receber de nós o restante euro por cada quilo”, exemplifica o perito.
Os leilões começarão ainda em 2023. “Vamos ter os primeiros leilões, mais à frente no ano, de 800 milhões de euros para cobrir os custos extra do hidrogénio verde”, explica por sua vez Siobhan McGarry, responsável pelo programa de acção da Direcção-Geral do Mercado Interno, Indústria, Empreendimento e Pequenas e Médias Empresas da Comissão Europeia.
A responsável também está ligada à Aliança Europeia para o Hidrogénio Limpo, criada em 2020, que agrega 1700 membros entre empresas, autoridades públicas, instituições financeiras, instituições de investigação de países europeus.
O objectivo da aliança é “juntar todos os intermediários para se tentar realmente desenvolver grandes projectos de hidrogénio na UE”, explica Siobhan McGarry aos jornalistas, de modo a ultrapassar “o problema do ovo e da galinha”, que é constantemente referido na Comissão Europeia. A responsável refere-se ao problema da produção e consumo de hidrogénio.
Se não há produção barata de hidrogénio verde, pela falta de tecnologias e redes de distribuição, então não há consumidores que adoptem este novo combustível e matéria-prima, consoante o seu uso. Ao mesmo tempo, se não há consumidores de hidrogénio, então os produtores não querem investir na sua produção, porque se arriscam a perder dinheiro. “O que tentamos fazer através da aliança é realmente resolver cada peça” deste puzzle, diz a responsável.
É essa complexidade que se apresenta nos projectos ligados ao hidrogénio verde nos portos de Roterdão, nos Países Baixos, e de Antuérpia, na Bélgica.
Entre a terra e o mar
Para se chegar ao edifício Futureland, que fica no coração do Porto de Roterdão, é preciso atravessar quilómetros de estradas. Há refinarias, silos de armazenamento, armazéns, indústria química ligada aos combustíveis fósseis, ferrovia, linhas de electricidade, navios e muitos, muitos contentores, numa área com 42 quilómetros de comprimento, parte dela roubada ao mar do Norte.
“Assim que deixamos de ver árvores, estamos em terra tomada ao mar”, explica Sjaak Poppe, porta-voz do Porto de Roterdão ligado à transição energética, que faz de cicerone no segundo dia da viagem. “Retira-se uma grande quantidade de areia do fundo do mar e amontoa-se até se obter seis metros de altura de areia.”
O responsável vai descrevendo o que é possível avistar-se do porto a partir do autocarro. “Estamos a chegar a um engarrafamento, o que é bastante raro”, diz, referindo-se à fila de camiões que pouco se mexe.
Sendo o maior porto europeu, 13% da energia consumida na UE entra pelo Porto de Roterdão. Parte da transição energética terá de passar por ali. Quem se aproxima do edifício Futureland pode ver uma turbina eólica descomunal. É um protótipo que atinge os 250 metros de altura contando com o comprimento da pá na vertical. O modelo está pensado para ser usado no mar.
Até 2030, o porto quer ter 7,4 gigawatts de potência instalada dividida em quatro parques eólicos marinhos (offshore) no mar do Norte. O primeiro, de 1,4 gigawatts, estará a funcionar a partir deste ano. Parte da energia vai servir para alimentar electrolisadores que serão instalados no porto para a produção de hidrogénio verde.
“O que estamos a fazer é tentar criar um ecossistema do hidrogénio, que consiste em parques eólicos offshore conectados aos electrolisadores e a um gasoduto que atravessa a área do porto e se conecta à rede nacional de gás”, diz Sjaak Poppe durante uma apresentação que contará ainda com Marc Potma, porta-voz da empresa petrolífera britânica Shell, e Michiel Bal, do gabinete de comunicação da Gasunie, empresa estatal dos Países Baixos responsável rede de gasodutos do país.
“O que estamos a desenvolver é uma infra-estrutura de acesso livre”, diz por sua vez Michiel Bal. “Toda a gente terá a oportunidade de se conectar à rede [de gasodutos para o hidrogénio]”, adianta, explicando que os Países Baixos estão em vantagem porque têm duas redes de gás natural e podem adaptar parte de uma das redes para passar a transportar o hidrogénio. Isso vai permitir fazer a transição energética de uma forma mais suave, já que podem ter os dois sistemas a funcionar ao mesmo tempo.
A estratégia da Gasunie até 2030 conta com sete mil milhões de euros para a empresa se transformar numa “infra-estrutura de energia que [no final da década] vai transportar e armazenar gás, gás verde, hidrogénio e dióxido de carbono”, explica o responsável.
A Gasunie planeia armazenar hidrogénio no Norte dos Países Baixos em grutas de sal-gema, onde o gás não consegue escapar. Esta será uma forma de permitir a flexibilidade energética. “Como o Sol não está sempre a brilhar e o vento não está sempre a soprar, para se ter as coisas em funcionamento, é necessário armazenar energia”, refere Michiel Bal. Quando as outras energias não puderem ser produzidas, o hidrogénio em reserva pode ser usado para criar electricidade.
Ligados ao Acordo de Paris
Estima-se que em 2050 passem pelo Porto de Roterdão 20 milhões de toneladas de hidrogénio. Destas, o porto “só vai produzir cerca de 10% e vai importar cerca de 90%”, avança Sjaak Poppe. “Isto porque nesta parte do mundo usamos muito mais energia do que aquela que podemos produzir localmente de uma forma sustentada, por isso iremos ter de importar muito”, acrescenta o responsável.
Regiões como o deserto do Sara, o Médio Oriente, e países como a Namíbia, o Chile e a Austrália são geografias que se perfilam como alvos para produção de hidrogénio verde. Mas a importação de grandes quantidades de hidrogénio por navio representa um desafio. “É preciso arrefecer o hidrogénio até -253 graus Celsius para o tornar líquido e para poder ser transportado por navio. É preciso muita energia para isso”, diz o porta-voz.
Uma das hipóteses é transportar o hidrogénio incorporado em diferentes moléculas, como a amónia (NH3). O transporte da amónia não é novidade, 80% desta substância é utilizada na indústria de fertilizantes. A amónia liquefaz-se a -33 graus, uma temperatura que exige muito menos energia para ser atingida.
Neste tipo de lógica, o hidrogénio seria produzido em locais com muita disponibilidade de sol. Depois, seria usado para sintetizar moléculas, como a amónia, que seriam transportadas por navio. Já nos locais de destino, as moléculas seriam partidas para se produzir de novo o hidrogénio, que finalmente poderia ser consumido. “Haverá diferentes formas para fazer o transporte de hidrogénio, de acordo com a origem, a distância e o uso final das moléculas”, resume Sjaak Poppe ao PÚBLICO. “Mas claro que existe uma competição entre empresas e entre técnicas.”
No presente, já é possível visitar o primeiro terreno que o Porto de Roterdão reservou para a construção de vários electrolisadores de hidrogénio, que irão receber electricidade dos parques eólicos offshore. Não há ainda muito para ver a partir das grades que delimitam o terreno, feito de areia retirada do fundo do mar. A Shell programa já em 2025 ter aí a primeira fábrica de hidrogénio de 200 megawatts a funcionar. É um investimento na casa dos mil milhões de euros.
“Estamos todos ligados ao Acordo de Paris”, diz Marc Potma, porta-voz da Shell, durante a sua apresentação, referindo-se ao acordo estabelecido em 2015 para evitar a subida da temperatura média da Terra acima dos dois graus (de preferência evitar a subida acima dos 1,5 graus), devido ao efeito de estufa. A petrolífera é uma das cinco grandes empresas com uma refinaria no Porto de Roterdão, além da BP, da ExxonMobil, da Vitol e da Gunvor Petroleum Rotterdam, que faz parte de uma das principais indústrias responsáveis pela emissão de dióxido de carbono que durante décadas tentou desacreditar a ciência das alterações climáticas, minando a transição energética.
“Queremos usar o hidrogénio no sector de transportes pesados”, explica Marc Potma. Mas a indústria de camiões movidos a hidrogénio ainda está a nascer e a procura por hidrogénio verde é diminuta. Mais uma vez, está-se perante o problema do ovo e da galinha. “Estes investimentos [da indústria de camiões] não vão acontecer enquanto não houver hidrogénio verde. É por isso que começámos a construir esta infra-estrutura”, refere o porta-voz, justificando a aposta que a Shell está a fazer. “Para já, vamos usar o hidrogénio na nossa refinaria [de Roterdão] para diminuir as emissões de CO2.”
Um acordo recente entre o Conselho e o Parlamento da UE serviu para dar mais um empurrão na questão da transição energética na área dos transportes. A nova regulação, que ainda terá de ser formalmente adoptada, promove a construção de infra-estruturas que permitem o abastecimento no espaço europeu de veículos movidos a energias alternativas. Há uma alínea para o hidrogénio.
“As infra-estruturas de reabastecimento de hidrogénio que servem tanto os carros como os camiões deverão ser construídas de 2030 em diante em todos os nós urbanos e a cada 200 quilómetros ao longo da rede de transporte transeuropeia, assegurando uma rede suficientemente densa que permita os veículos a hidrogénio viajarem por toda a UE”, lê-se num comunicado de final de Março da Comissão Europeia, que saúda o acordo.
Posto de hidrogénio
No Porto de Antuérpia é possível ver a funcionar um dos raros postos de abastecimento de hidrogénio para veículos ligeiros e pesados, instalado em Junho de 2021. O terceiro dia da viagem inicia-se no porto da cidade belga, de onde se avistam várias turbinas eólicas na paisagem ao redor. Roy Campe, chefe do departamento de tecnologia da empresa belga CMB.Tech, faz uma demonstração no seu automóvel, um Toyota Mirai cinzento-escuro.
“O que é especial no abastecimento dos nossos carros?”, pergunta o especialista, enquanto abastece o veículo com hidrogénio. “Acontece a uma pressão de 700 bar.” O equivalente a cerca de 700 vezes a pressão da atmosfera ao nível do mar. Como é o elemento químico mais pequeno e mais leve, o hidrogénio tem de estar compactado para poder caber em quantidade num espaço pequeno.
“Além disso, o hidrogénio tem de ser pré-arrefecido a -40 graus porque no tanque do carro o gás está pressurizado e aquece. A temperatura máxima do meu tanque pode atingir os 80 graus. Se enchesse normalmente o carro, iria exceder esse máximo de temperatura”, explica o responsável, descrevendo algumas das especificidades deste combustível, que obrigam a uma adaptação das tecnologias.
Em poucos minutos Roy Campe coloca no carro cerca de 3,7 quilogramas de hidrogénio, abastecendo totalmente o veículo. Os dois contentores do Toyota levam juntos 5,6 quilogramas de hidrogénio. O preço do quilograma do gás estava a 17,99 euros, por isso o total fica por cerca de 66 euros.
Um quilo de hidrogénio permite fazer em média 100 quilómetros de estrada. Mas, no frio, a mesma quantidade dá para menos quilómetros. “No Inverno o carro [com o tanque cheio] viaja 450 quilómetros. No Verão, faz 600 quilómetros. É uma grande diferença porque se está frio no exterior, é necessário aquecer o carro, isso custa energia”, explica o especialista.
Há outra questão. É a junção do oxigénio com o hidrogénio em H20 que vai fornecer energia à bateria do carro. Por isso é preciso haver entrada de ar. No Inverno, para que a água que é produzida não congele, “o ar que entra na célula de combustível tem de ser aquecido”, adianta. Nesse sentido, os motores de combustão têm vantagens porque aquecem simplesmente com a energia que o motor do carro perde naturalmente. Mas Roy Campe está contente com o seu Toyota: “Acima de tudo é muito eficiente. Estou feliz por o conduzir.”
Graças aos investimentos da CMB.Tech, o Porto de Antuérpia transformou-se num centro de hidrogénio. Há um electrolisador de 1,2 megawatts que produz o gás não só para o posto de abastecimento de veículos, mas também para as embarcações duais – funcionam com hidrogénio e diesel.
De onde vem a energia para o electrolisador? “Vem de uma central eléctrica de biomassa na região de Gant”, responde Roy Campe ao PÚBLICO. Há ainda um sistema de válvulas para comprimir o gás produzido. Mas o aparelho não está a funcionar porque, por azar, houve uma fuga de azoto. “Produzimos [o hidrogénio] durante a noite, para dar tempo de encher os nossos grandes tanques para os navios”, explica o responsável.
A empresa tem vindo a fazer a transição energética e a acumular experiência com a construção de embarcações que funcionam com hidrogénio desde 2017. O Hydrocat é um dos exemplos, funciona com um motor que trabalha a diesel e a hidrogénio, e que reduz a “pegada de emissões em mais de metade”, segundo um painel informativo. O modelo é usado especialmente para a manutenção das turbinas eólicas offshore.
“Fomos do vento para o carvão, do carvão para o diesel e estamos a ir do diesel para o gás. Por isso, apesar de sermos uma indústria muito conservadora, já fizemos várias mudanças do tipo de combustível”, afirma Roy Campe.
Mas a aposta do combustível para os navios de longo curso é outra. “Para o mar profundo, o caminho certo é a amónia”, diz. A empresa tem um novo programa de construção de 40 navios, a maioria será movida a amónia. A ideia é produzir amónia verde a partir de hidrogénio verde.
“Identificámos a Namíbia como sendo o melhor país com potencial solar e a energia solar é a mais barata fonte de electricidade do futuro, mais barata do que o vento”, refere. Para isso, a empresa vai fazer um investimento de 25 milhões de dólares (22,73 milhões de euros) naquele país africano. Além da exposição solar, outra grande vantagem que a Namíbia oferece em relação à Europa é o custo do arrendamento de terra ser muito menor, adianta Roy Campe. E vai ser necessário muita terra para saciar a sede europeia por energia renovável.
O PÚBLICO viajou a convite da Comissão Europeia