Após 70 anos, reapareceu estátua de varina que dava azo a comentários “picantes”

No decorrer de uma obra municipal, foi localizada a varina que simbolizava a emancipação do concelho da Murtosa. A câmara municipal promete dar-lhe agora a dignidade merecida.

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A estátua quando ainda estava na Praça de Pardelhas
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O que restou da varina e que foi agora encontrado

Se as esculturas falassem, a estátua da varina mandada construir em 1940, para celebrar os 14 anos da emancipação do concelho da Murtosa, teria muito que contar. Alvo de depreciações — chegaram a classificá-la de “mamarracho sem beleza nem arte”, além de lhe criticarem o peito avantajado —, foi retirada da praça onde tinha sido colocada e substituída por outro monumento e acabou por ser vítima de um misterioso desaparecimento. Nas décadas de 80 e 90, ainda se fizeram escavações para a tentar localizar, mas sem sucesso. Foi encontrada agora, no decurso de uma obra para a construção de um novo arruamento. Está bastante danificada, revelando sinais de mutilação deliberada, mas é intenção do executivo camarário devolver-lhe a dignidade perdida.

Foram anos envoltos em mistério, sem se saber o que teria acontecido à obra de arte — com explicações que iam da sua completa destruição à possibilidade de esta ter sido enterrada na área que viria a ser ocupada pelos armazéns municipais —, e que agora parecem chegar ao fim. Isto apesar de ainda existirem algumas pontas soltas na história que, durante décadas, alimentou o imaginário e as conversas das gentes da Murtosa.

Tendo por base artigos publicados na imprensa local da época, assim como algumas actas da Câmara Municipal da Murtosa, o vereador Daniel Bastos refere que, com a morte do almirante Jaime Afreixo, em 1942 — político que assinou o decreto emancipador que criou o concelho da Murtosa —, começou a discutir-se a substituição daquela escultura por um busto do almirante. Enquanto os argumentos a favor de Jaime Afreixo ganhavam mais força, intensificavam-se também as críticas à varina.

“O escultor colocou-lhe um peito mais proeminente e havia quem não gostasse”, acrescenta o autarca, a propósito da escultura que era popularmente apelidada de “Mamuda”. No jornal Progresso da Murtosa chegou mesmo a lamentar-se que, “a gastar-se dinheiro como se gastou, não se tivesse feito uma coisa que não ofendesse, e que não se prestasse a comentários picantes por parte daqueles que nos visitam”.

Em 1951, por ocasião bodas de prata do concelho, a varina viria a ser substituída, na Praça de Pardelhas, pelo novo monumento — que ainda hoje se mantém. “Sabe-se que foi para os armazéns da câmara. Andou sempre aos tombos e, ao contrário do que chegou a ser falado, nunca foi colocada noutro local”, conta Daniel Bastos. Décadas mais tarde, aquando das obras de alargamento dos armazéns municipais, e na sequência de um alerta lançado por funcionários camarários mais antigos, ainda se fizeram “buscas para tentar encontrar a varina”, mas sem resultados. Quis o destino que fosse encontrada no passado mês de Março, na zona dos antigos armazéns municipais, durante uma intervenção de demolição e escavação.

Pensar um novo futuro para a varina

Depois de desenterrar a estátua, a Câmara Municipal da Murtosa já procedeu à sua limpeza, perspectivando recorrer a um especialista em restauro para decidir os passos a tomar. “A nossa ideia é voltar a colocá-la num espaço público, possivelmente no interior de um edifício, uma vez que se trata de pedra de Ançã”, refere o vereador, garantindo que a escultura será recuperada, retomando as formas originais. “Ela foi bastante mutilada, mas não sabemos se foi quando foi retirada do espaço público ou se foi na altura em que estava nos armazéns da câmara”, declara Daniel Bastos.

Será caso para dizer que a escultura da varina era mal-amada? “Estou em crer que não era esse o sentido do povo, mas talvez de algumas pessoas com influência”, admite o autarca, recordando que a escultura acusava alguma ousadia para a sua época — representa uma alegoria a um movimento de emancipação (uma peixeira que está a libertar-se, finalmente, das correntes). Independentemente da antipatia que possa ter gerado no passado, a recém-recuperada escultura está a gerar uma onda de simpatizantes, que reclamam a sua recuperação.

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