Em pleno século XXI, uma mulher não pode doar sem preocupações, tais como as questões morais, religiosas ou éticas... dos outros. Para alguns, um óvulo é uma forma de vender uma parte de um corpo. Para outros, é uma prática não natural ou imoral que interfere com o plano de Deus e com a ordem natural das coisas. Por fim, existe a mãe da dadora que considera que esta está a doar os seus netos.
No meio de tantas opiniões e ideias, a dadora tem de manter a sanidade e compreender que só está a doar um pedaço de ADN e a ajudar quem mais precisa. Ser dadora de óvulos permite ajudar um casal ou um indivíduo que deseje conceber uma criança através de métodos como a fertilização in vitro (FIV). Em Portugal, este acto é voluntário e altruísta. É importante realçar que legalmente a dadora não é a mãe da criança pois esta só fornece os óvulos. Na verdade, a receptora será a mãe da criança pois a dadora não tem qualquer tipo de dever ou direito legal sobre as crianças que as suas doações possam gerar.
Em relação ao processo este envolve uma avaliação psicológica e física (ginecológica e genética). De facto, o ADN é algo imprescindível para criar uma criança, mas não é o único factor. Em si, este é o material genético de todos os organismos vivos e uma característica de cada um de nós. O resultado surpreendente é que, em contraste com o nosso dia-a-dia, este conjunto de moléculas não nos define a 100%. Na realidade, a informação genética apenas determina as características físicas e alguns comportamentos de uma criança. Em si, quando uma mulher doa um óvulo não está de facto a doar uma criança, mas sim a doar um pedaço do seu ADN que será utilizado para ajudar a formar uma criança.
Como Joël de Rosnay afirmou, o nosso ADN social pode alterar o nosso ADN individual. Logo, será que o ADN será mesmo a única definição de alguém como ser humano e filho? Não será apenas algo que nos ajuda a existir, mas que não nos molda e define? Ao introduzir esta condicionante, é possível desmistificar a ideia de que na doação de óvulos não existe uma doação de um filho, mas sim de uma parcela que irá ajudar na sua formação.
Aliado ao factor ADN temos a epigenética. Em si, esta aliada permitiu que as dadoras e as receptoras entendessem melhor a ligação que existia entre o óvulo e a mãe. Chegaram à conclusão de que a nutrição e até a forma como a receptora pensa são essenciais para a formação e desenvolvimento do novo ser. De forma muito resumida, a mãe influencia a forma como a criança será no futuro e ainda contribui para o seu desenvolvimento físico através da alimentação e formação do novo ser. É importante referir que a dadora não faz parte deste processo a não ser na doação do óvulo pois as restantes funções são da receptora e mãe do bebé.
Relembrando os tempos de criança, quem cuidou de nós: ADN ou Mãe? De forma clara e evidente: a mãe. Estas desempenham um papel essencial no bem-estar e desenvolvimento de uma criança. Uma mãe é o modelo para os seus filhos: que ensina e fornece apoio, orientação e disciplina. Logo, uma dadora nunca poderia ser uma mãe pois a sua principal função é ajudar alguém a engravidar – ao doar uma célula reprodutora.
Como dadora de óvulos, nunca senti que estava a dar um filho ou a cometer um pecado mortal. As dores, o cansaço, as agulhas não foram nada comparadas com a vontade de realizar o desejo de alguém. Em si, o derradeiro objectivo era ajudar uma mulher (ou várias) a conseguir ser aquilo que um dia eu vou querer ser: mãe. Por fim, admito que a minha única curiosidade é saber se isto foi possível ou não. A verdade é que a importância e o significado das coisas estão onde o ser humano pretende. Os argumentos utilizados desmistificam a ideia do ADN ser um filho. Identificaram-no como uma parcela – que (da minha experiência como doadora), terá a sua relevância na saúde e no físico. Por isso, quando olhar para uma mulher dadora lembre-se de que ela ajudou outra mulher a ser mãe. Não o foi.