As alterações climáticas fizeram-nos entrar na era das secas repentinas

Precisamos de novos métodos de monitorização para tentarmos fazer alguma previsão destas secas, que hoje nos apanham desprevenidos e, por isso, têm maiores impactos.

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Seca na China - esta é uma das regiões onde há maior probabilidade de secas repentinas China Newsphoto/REUTERS

As secas repentinas, que se podem tornar graves em poucas semanas e são difíceis de prever, estão a tornar-se cada vez mais frequentes, diz uma equipa de cientistas na revista Science, que avaliou as mudanças na velocidade com que as secas se declaram nas últimas sete décadas. À medida que os efeitos das alterações climáticas se forem intensificando, os dados indicam que será mais notória uma transição para este processo mais rápido.

Essa transição far-se-á sentir em 74% das regiões definidas pelo Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas, conclui o trabalho publicado esta quinta-feira na Science, que tem como primeiro autor Xing Yuan, da Universidade de Ciências e Tecnologias da Informação, em Nanjing, na China.

A definição tradicional de seca prende-se geralmente a um processo longo, que se desenvolve devagar, e que se pode prolongar por anos. A seca que o Corno de África está a viver neste momento, que resulta de seis anos seguidos em que a estação das chuvas não trouxe a quantidade de precipitação que era esperada, é exemplo disto, dizem num comentário ao artigo publicado igualmente na Science David Walker e Anne Van Loon, respectivamente da Universidade de Wageningen e da Universidade de Vrije, em Amesterdão, ambas nos Países Baixos.

Seca de 2012 nos EUA

O nome de seca repentina vem por analogia com “cheias repentinas. Embora estas secas repentinas existam há muito tempo – em alguns locais têm designações próprias, como “veranicos”, no Brasil –, o conceito só foi proposto depois da seca do Verão de 2012 nos Estados Unidos. “Esta foi considerada como uma das mais graves nos Estados Unidos desde o episódio que ficou conhecido como Dust Bowl nos anos 1930 e causou mais de 30 mil milhões de dólares (27,4 mil milhões de euros) em perdas económicas”, explica a equipa de Xing Yuan.

“Uma das características distintivas desta seca foi ter-se declarado de forma extremamente rápida; em muitos locais, passou-se de condições normais para condições de seca extrema no prazo de um mês”, explicam os cientistas. Esta “intensificação” foi inesperada, não era prevista por nenhum modelo.

Apesar da rapidez com que se instalam, estas secas podem ter impactos substanciais no crescimento da vegetação e “desencadear episódios extremos como ondas de calor e incêndios florestais”, salientam os investigadores. E podem também ser o início de uma seca a longo prazo.

Outros estudos tinham já concluído que as alterações climáticas fizeram aumentar a frequência destas secas repentinas no Sul de África e na China, que duram normalmente entre 30 e 45 dias (um mínimo de 20), enquanto as secas que se instalam lentamente duraram normalmente entre 40 e 60 dias. “Mas não havia consenso sobre se está a haver uma transição de secas que se instalam lentamente para secas repentinas à escala global”, explicam os cientistas no artigo.

O seu trabalho passou por fazer uma nova análise de dados sobre a humidade no solo. A equipa de Xing Yuan avaliou as mudanças na velocidade com que as secas se declaram ao longo dos últimos 64 anos. E concluiu que há uma relação com as alterações climáticas.

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As secas repentinas podem acontecer com maior frequência em regiões húmidas do planeta, concluíram os cientistas Stephane Mahe/REUTERS

“As secas repentinas são desencadeadas por um período de precipitação anormalmente baixa, tal como a maior parte das secas, mas estão também associadas a uma excessiva evaporação (provocada por temperaturas mais elevadas)”, explicam David Walker e Anne Van Loon, no seu comentário à investigação na Science. Por isso, à medida que o planeta aquece mais, por causa do efeito de estufa aumentado pela emissão de gases como o dióxido de carbono, “as secas repentinas vão-se tornar uma ameaça mais comum”, concluem.

Impacto nas zonas húmidas

Os cientistas determinaram que as secas repentinas acontecem com maior frequência em regiões húmidas do planeta. “Nestas áreas, há água suficiente para a evapotranspiração (transferência de água da superfície da terra, das massas de água e das plantas para a atmosfera)”, explicam David Walker e Anne Van Loon. Nestes locais, pode evaporar-se rapidamente uma grande quantidade de água, em determinadas condições, como quando a chuva falta.

“Para além do défice de precipitação, o aumento da evapotranspiração acelera o esgotamento da humidade no solo, o que resulta numa maior probabilidade de secas repentinas em regiões húmidas como a Europa, o Norte da Ásia, o Sul da China, partes do Nordeste e Noroeste da América e na Amazónia”, adianta a equipa de Xing Yuan.

Como a transferência de água para a atmosfera aumenta com um clima mais quente, os cientistas avançaram a hipótese de que as condições de seca se estejam a instalar mais rapidamente em termos globais. Com a análise de dados de sete décadas que fizeram, os investigadores detectaram uma tendência para a aceleração do processo de desenvolvimento das secas que duram menos que uma estação do ano. “Desenvolvem-se mais rapidamente e houve um desvio de secas lentas para rápidas à escala global”, concluem.

E quais as consequências disto? Esta deriva para secas repentinas tem implicações ao nível da adaptação às alterações climáticas, sublinham os cientistas. “A transição para secas repentinas pode ter impactos irreversíveis nos ecossistemas terrestres”, alertam.

A aceleração dos processos traz também “desafios substanciais” para a monitorização e prevenção das secas. “A resolução temporal da maior parte das abordagens de monitorização é geralmente demasiado grosseira para capturar o início das secas repentinas”, sublinham. São por isso necessários índices adaptados para escalas temporais menores, e uma maior actualização, aconselham.