Comissão independente investiga alegações de assédio no Centro de Estudos Sociais
Artigo de três investigadoras numa publicação britânica descreve casos de má conduta sexual e de abuso de poder no centro de investigação sediado em Coimbra, sem identificar responsáveis.
O Centro de Estudos Sociais (CES), centro de investigação ligado à Universidade de Coimbra, vai nomear uma comissão independente para investigar alegações de assédio sexual e moral na instituição. As acusações são feitas por três investigadoras, num capítulo de um livro publicado por uma editora britânica, sem nunca identificarem os nomes dos alegados responsáveis.
O artigo em causa é assinado por Lieselotte Viaene, Catarina Laranjeiro e Miye Nadya, três investigadoras que passaram por aquele centro de investigação. Ainda que não identifiquem a instituição nem usem qualquer nome próprio, as suas alegações levaram a direcção do laboratório a admitir que as situações retratadas “terão ocorrido no âmbito do CES”.
As investigadoras não identificam nenhum dos intervenientes pelo nome, mas descrevem a sua experiência de “abandono institucional”, que teria como objectivo “preservar a reputação e o prestígio do centro de investigação e do seu Professor Estrela”. O “Professor Estrela” seria a peça-chave das “dinâmicas de poder” da instituição, juntamente com outras duas figuras: o “Aprendiz” e a “Watchwoman”.
É sobre o “Aprendiz” que recai a acusação mais directa de “abuso sexual”, mas há descrições de outros exemplos de má conduta sexual por parte deste e do “Professor Estrela”, assim como da forma como os casos foram sendo silenciados internamente.
O artigo The walls spoke when no one else would (“As paredes falaram quando mais ninguém o fez”) – que está disponível online em inglês – é um dos capítulos de Sexual Misconduct in Academia (“Má conduta sexual na Academia”), uma publicação colectiva recentemente editada pela Routledge, editora britânica que é uma das mais conceituadas do mundo nas Ciências Sociais e Humanas.
O CES diz-se “comprometido com o tratamento diligente deste tipo de ocorrências”, tendo decidido “averiguar a fundamentação das alegações”. É nesse contexto que será constituída uma comissão independente, “à qual caberá a identificação de eventuais falhas institucionais e a averiguação da ocorrência das eventuais condutas antiéticas referidas naquele capítulo”, que será composto por dois elementos externos “com competências reconhecidas no tratamento de processo análogos” e pela provedora do CES, Sílvia Portugal.
O PÚBLICO tentou, até ao momento sem sucesso, falar com esta responsável, que ocupa estas funções há três anos.
No mesmo comunicado, o CES recorda também que “nos últimos anos” tem vindo a promover “respostas institucionais” para os problemas. Desde 2019, aprovou o Código de Conduta do CES, clarificando o papel e âmbito de actuação da Comissão de Ética, foi criada a Provedoria do CES e um canal de denúncias, incluindo denúncias anónimas.
“O CES lamenta que estes instrumentos, proporcionando mecanismos formais de denúncia e de combate a qualquer possibilidade de assédio e consistentes com os princípios de defesa dos direitos humanos e da igualdade de género que sempre adoptou, só recentemente tenham sido criados”, lê-se ainda no documento, que é assinado pela direcção, liderada por António Sousa Ribeiro, e pela presidência do Conselho Científico, cargo ocupado por Ana Cordeiro Santos.
Este centro de investigação foi criado em 1978 e teve, desde então, como figura nuclear Boaventura de Sousa Santos, que continua a ocupar o cargo de Director Emérito, depois de ter deixado a direcção em Abril de 2019.
Os órgãos directivos do CES adiantam ainda que “têm em curso diferentes processos de reflexão interna” com o objectivo de “aprofundar e tornar efectivas as respostas institucionais”, e reiteram “o seu compromisso com a promoção da política institucional necessária, para que o CES seja um espaço efectivamente livre de quaisquer formas de abuso ou assédio e para a prossecução inequívoca dos princípios orientadores da acção do centro”.