Luta contra o aborto nos EUA: justiça tenta manter pílula abortiva
Decisão de tribunal de reverter a aprovação para a mifepristona levou a forte reacção da indústria farmacêutica, que alerta para um precedente com potenciais efeitos na investigação.
A pílula abortiva mifepristona está no centro de um novo capítulo da luta contra o aborto nos Estados Unidos depois da reversão do ano passado, pelo Supremo, da decisão do caso Roe vs. Wade, que estabeleceu, em 1973, o direito à interrupção voluntária da gravidez: o acesso a medicação abortiva.
Já há vários estados que proíbem a utilização da pílula abortiva, e a correspondente da BBC Holly Honderich em Washington DC diz que esta batalha legal pode levar ao maior revés no acesso ao aborto desde a reversão de Roe vs. Wade.
Um juiz federal invalidou, na sexta-feira à noite, a aprovação feita pela Food and Drug Administration (FDA), a autoridade responsável pela autorização de introdução no mercado de medicamentos, da pílula abortiva mifepristona, que é usada na maioria das interrupções nos Estados Unidos, em geral em combinação com outra.
Menos de uma hora mais tarde, um outro juiz federal nomeado por Barack Obama, Thomas O. Rice, decretou que a FDA não pode limitar o actual acesso à mifepristona em 18 estados liberais, dizem a BBC e o New York Times. São duas decisões contraditórias que tornam mais provável que o caso seja analisado no Supremo.
O Departamento de Justiça anunciou na segunda-feira que iria pedir que o medicamento continuasse a ser dispensado enquanto recorria da decisão do juiz do Texas Matthew J. Kacsmaryk, nomeado por Donald Trump, que foi crítico da decisão Roe vs. Wade, lembra o New York Times. O juiz decidiu uma janela de apenas sete dias para o Governo apresentar recurso.
Mas as consequências da decisão judicial podem ir muito além do aborto.
A decisão levou a uma forte reacção da indústria farmacêutica, com mais de 400 líderes de algumas das empresas mais importantes de investimento em medicamentos e biotecnologia a avisar para potenciais consequências. Nenhuma destas empresas fabrica mifepristona, sublinha o diário norte-americano para mostrar a importância da decisão do juiz em questões de regulação de medicamentos que vão muito além do aborto.
“Se os tribunais podem reverter aprovação de medicamentos sem ter em conta a ciência, ou a complexidade necessária para aprovar completamente a segurança e eficácia de novos medicamentos, qualquer medicamento corre o mesmo risco da mifepristona”, dizia a declaração, citada pelo New York Times.
O Departamento de Justiça também mencionou o efeito da decisão “na avaliação científica da FDA”, sublinhando ainda que há mulheres a quem é dado o medicamento em caso de aborto espontâneo – e que mesmo nos estados em que é proibida a sua utilização como parte de legislação restritiva do aborto, não há um estado em que o medicamento não tenha utilização legal.
Como comentou recentemente Elizabeth Nash, analista de políticas do instituto Guttmacher, que defende o direito à interrupção voluntária da gravidez, está a haver “esforços para impedir cada vez mais o acesso a medicação abortiva, porque os opositores do aborto percebem que mesmo com a proibição do aborto em vigor em 12 estados e falta de acesso noutros dois, as pessoas ainda estão a conseguir obter pílulas abortivas”, disse, citada pelo New York Times.
A BBC ouviu Lawrence Gostin, professor de saúde global na Universidade de Georgetown, que classificou o veredicto como “fraco na argumentação”. No entanto, como será “provavelmente o tribunal de recurso mais conservador da América” a decidir o recurso, é possível que a decisão seja aí validada.
Para Gostin, contudo, não há qualquer base para o veredicto: “Se a FDA não pode aprovar este medicamento, não sei o que poderá aprovar”, declarou. “Está no mercado há mais de duas décadas e tem um historial impecável em matéria de saúde e segurança.”