Orelhas pequenas, pêlos macios e cera seca: o retrato genético dos mamutes

O mais completo retrato genético dos mamutes mostra várias das características essenciais para a sobrevivência deste ícone da Idade do Gelo - desde o pêlo macio às orelhas pequenas.

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O esqueleto completo de um mamute em Lyon (França) EMMANUEL FOUDROT/REUTERS
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O investigador Love Dalén com o mamute de Yuka, cujo genoma foi incluído no estudo Ian Watts

É a maior avaliação genética já realizada do mamute-lanudo (Mammuthus primigenius) e dá-nos uma nova imagem deste primo do elefante – e um ícone da Idade do Gelo. E isto inclui o pêlo macio, as orelhas pequenas, a tolerância ao frio, o armazenamento de gordura e até cera de ouvido seca.

A equipa de investigadores que analisou os genomas de 23 mamutes-lanudos – incluindo 16 sequências recentes – com base em restos preservados no permafrost (solo que se mantém sempre congelado, nas regiões polares da Terra) da Sibéria. Os cientistas compararam estes genomas com os de 28 elefantes asiáticos e africanos modernos.

“Queríamos encontrar as mutações que estão presentes em todos os mamutes, mas que não estão em nenhum dos elefantes. Ou seja, as adaptações genéticas exclusivas do mamute-lanudo”, explica o geneticista David Díez-del-Molino, do Centro de Paleogenética em Estocolmo (Suécia), e responsável pelo estudo publicado na última edição da revista Current Biology.

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A base da pata e o pêlo de um mamute-lanudo, encontrado no rio Indigirka, na Sibéria Love Dalén/Distribuída via REUTERS

“Descobrimos que os mamutes-lanudos tiveram adaptações moleculares nos genes associados ao combate dos ambientes árcticos frios, como pêlo espesso, armazenamento e metabolismo de gordura e sensação térmica, entre outros”, acrescenta David Díez-del-Molino.

Os genomas analisados incluíam um mamute com 700 mil anos – perto da época de origem desta espécie nas estepes da Sibéria – e outros que viveram mais tarde, mostrando assim como as adaptações genéticas foram evoluindo.

A espécie, que surgiu num período em que o clima da Terra estava a arrefecer, habitou as regiões do norte da Eurásia e da América do norte. A maioria dos mamutes foi extinta há cerca de 10.000 anos, durante o aquecimento global no final da última Idade do Gelo – apesar de os cientistas ainda debaterem se a caça humana terá desempenhado um papel nesta extinção. Os últimos mamutes conhecidos morreram na ilha Wrangel, na costa da Sibéria, há 4000 anos.

O primeiro genoma de mamute completo foi sequenciado em 2015, depois de uma primeira sequência parcial em 2008.

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O dente molar de uma jovem fêmea de mamute, descoberto no Nordeste da Sibéria em 2015, cujo genoma foi incluído neste estudo sobre genética dos mamutes Peter Mortensen/via REUTERS

Dar um guião para a ressurreição do mamute

Este novo estudo mostra que 92% das mutações únicas dos mamutes-lanudos já existiam no início da espécie, com uma evolução contínua em características específicas. Por exemplo, os mamutes desenvolveram pêlo cada vez mais macio e orelhas cada vez mais pequenas ao longo do tempo.

“O mamute-lanudo com 700 mil anos pode ter tido orelhas maiores do que os mamutes do final da Idade do Gelo”, resume Love Dalén, geneticista do Centro de Paleogenética de Estocolmo e outro dos autores que participaram no estudo.

Um gene que evolui significativamente é aquele que, quando “desligado” em ratinhos de laboratório, resultou em orelhas extraordinariamente pequenas. Os mamutes-lanudos eram do tamanho dos actuais elefantes-africanos, com cera de quatro metros de altura, mas tinham orelhas muito menores, para se protegerem contra a perda de calor corporal que uma orelha maior provocaria.

Há vários genes dos mamutes que envolvem a definição do tipo de pêlo e do crescimento que diferem dos elefantes modernos. Um desses genes, em humanos, está associado à síndrome do cabelo impossível de pentear, uma situação extremamente rara que é caracterizada por cabelos secos e frisados, que não podem ser alisados. Nos mamutes, pêlos mais macios, bem como depósitos de gordura, teriam ajudado a proteger do frio.

Os mamutes tinham ainda uma mutação num gene que, em humanos, está associado à cera de ouvida seca – embora, ainda não seja claro como é que isto lhes terá dado alguma vantagem evolutiva. A mesma mutação genética também está associada a um menor odor corporal nas axilas dos humanos, apesar de isso não indicar que os mamutes tinham um aroma pouco intenso.

“Duvido muito que os mamutes estivessem a suar das axilas. Isso é algo muito único dos humanos, creio. Há outros mamíferos que regulam a sua temperatura corporal de diferentes maneiras. Portanto, não é claro se os mamutes tinham um cheiro diferente por causa desta variação genética”, refere Love Dalén.

A investigação agora publicada ajudou a esclarecer as variações de tom do pêlo do mamute: acastanhado com um toque de vermelho. As mutações num gene relacionado com o sistema imunitário mostram que a espécie se adaptou a um grave surto patogénico nalgum período do seu percurso na Terra.

Apesar de os cientistas não estarem a trabalhar na tentativa de ressuscitar o mamute através de clonagem, este estudo pode ajudar nesse esforço.

“O conjunto de dados que apresentamos pode ser visto como o primeiro elemento de um guião para a ressurreição”, profetiza Love Dalén. “Mas deve-se avisar que o caminho é longo, provavelmente cheio de buracos e, na pior das hipóteses, não leva a lado nenhum.”