Casa do Brasil atende dois a quatro casos de burla a imigrantes por semana

As burlas podem começar ainda no país de origem ou já em Portugal, ao longo do processo de instalação ou de regularização da documentação do imigrante.

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Os brasileiros têm a isenção de vistos para estadas de curta duração, que dura 90 dias DIEGO VARA/Reuters

A Casa do Brasil, que apoia imigrantes brasileiros em Portugal, atende dois a quatro casos de vítimas de burla por semana e pessoas em situação de vulnerabilidade cada vez mais grave, disse fonte da instituição.

Segundo o técnico de atendimento da Casa do Brasil Victor Hasten, actualmente aquela instituição "tem entre 60 a 70 atendimentos" por mês de imigrantes a necessitarem de apoio, incluindo os remotos, por telefone ou videochamada, e "duas a quatro situações de burla" por semana.

Na opinião daquele responsável, aos dois factos não é alheia a actuação de influencers, pessoas que, nas redes sociais, prometem uma "vida fácil" do lado de cá do Atlântico para quem quiser deixar o seu país rumo a Portugal.

As burlas são de dois tipos, umas que começam ainda no país de origem, o Brasil, e outras que acontecem já em Portugal, ao longo do processo de instalação ou de regularização da documentação do imigrante, relatou Victor Hasten.

"A pessoa que começa a planear emigrar para Portugal começa a obter um certo tipo de informações, que usualmente são mais encontráveis no Facebook, nos grupos de brasileiros em Portugal, e aí estreitam um contacto, pelo que me dizem, com alguém que está nesse grupo, e a burla vem num pacote de serviços", explicou.

Nestes casos, o pacote de serviços geralmente engloba casa arrendada para quando o imigrante chegar a Portugal, documentos, como número de identificação fiscal e número da Segurança Social, já tratados.

Por esses serviços, a pessoa que quer emigrar paga uma quantia razoável, ainda no país de origem, a quem alegadamente tratará de tudo isso e o esperará no aeroporto no dia da sua chegada a Portugal, explicou Vitor Hasten.

O problema é que muitos chegam ao aeroporto e além de não terem essa pessoa à sua espera, não a conseguem mais contactar, apesar de já lhe terem entregado uma boa parte das suas poupanças, contou o responsável.

Esses imigrantes "chegam aqui com muito pouco dinheiro" e "ficam numa situação de vulnerabilidade", afirmou.

O técnico da Casa do Brasil recordou um dos casos que acompanhou de um casal que tinha enviado 5000 euros para a pessoa que iria tratar de tudo, e que acabou por não tratar de nada.

Esta família acabou por dormir três noites num hostel e depois já não tinha como pagar um lugar para ficar, continuou, por isso pediu apoio à Casa do Brasil.

Já o segundo tipo de burla acontece com as pessoas que já estão imigradas em Portugal há algum tempo. Nestes caso, o imigrante ou é vítima de burla na habitação, pagando caução de vários meses sem contrato, e perde logo de seguida o quarto ou a casa, mas também nas marcações no SEF - Serviço de Estrangeiros e Fronteiras para tratar da documentação.

O imigrante paga 100 euros ou mais e a pessoa que disse já estar agendada a ida ao SEF não marca nada e fica com o dinheiro, contou Vitor Hasten.

Outro tipo de burla, que segundo o responsável da Casa do Brasil é muito frequente entre os imigrantes brasileiros, é feito por pessoas que se oferecem, mediante o pagamento de uma determinada quantia, para fazerem todo o processo de regularização online, mas acabam por ficar com as credenciais do imigrante e começam a cobrar um valor além do combinado, ameaçando de que se o imigrante não pagar vai ficar sem a manifestação de interesse no SEF.

Influencers vendem "uma falsa ilusão" sobre Portugal

Outra situação que conduz a uma grave vulnerabilidade, segundo aquele responsável, é a actuação dos influencers nas redes sociais. Estes vendem "uma falsa ilusão" sobre Portugal, afirmou Vitor Hasten, acrescentando que fazem relatos completos da sua "experiência pessoal" e convencem quem está a pensar em emigrar de que "tudo é muito fácil".

Além de aconselharem o imigrante a vir para Portugal com visto turístico, dão até dicas sobre como enganar os agentes de fronteira convencendo-os de que estão em turismo em Portugal.

"É um movimento social muito preocupante, que tem deixado as pessoas mesmo em vulnerabilidade quando chegam. E só aí entendem que não é nada daquilo que lhes foi vendido", referiu o responsável da Casa do Brasil.

Sobretudo num momento em que a realidade social para os imigrantes é cada vez mais difícil em Portugal, com as rendas de casa muito altas e uma inflação não acompanhada pelos salários, explicou.

Os imigrantes recebem em média 750 ou 800 euros, fruto de um trabalho precário, e entram aos poucos numa situação de vulnerabilidade, até já não terem mais recursos para ficarem em Portugal, referiu.

Neste cenário, recorrem ao apoio de instituições como a Casa do Brasil ou até à opção do apoio ao retorno voluntário ao país de origem ao abrigo do programa ÁRVORE, da Organização Internacional das Migrações (OIM).

Segundo Vitor Hasten, as situações de vulnerabilidade de imigrantes brasileiros "são cada vez mais graves, mais sérias e mais urgentes".

A Casa do Brasil tem procurado actuar contrariando as versões destes youtubers e influencers do Instagram com o projecto Brasil/Portugal - Por uma migração com direitos.

O projecto ataca, com três frentes de acção, esse fenómeno, ou seja, através de sessões online informativas para pessoas que ainda estão no Brasil e querem iniciar um processo de emigração e estão numa fase de busca de informações sobre vistos, aconselhando quem queira emigrar a que venha com um visto prévio de trabalho ou para estudar, ou o visto CPLP, ou visto para trabalhador nómada digital.

Outra frente de acção é o trabalho feito nos grupos de redes sociais, divulgando informações oficiais.

A terceira frente é um canal no Youtube, onde há vídeos explicativos sobre obtenção de vistos, informações sobre obtenção de autorização de residência e sobre acesso a serviços públicos.

Os brasileiros, recordou o técnico de atendimento da Casa do Brasil, têm a isenção de vistos para estadas de curta duração, que dura 90 dias, prorrogáveis por mais 90, "mas depois entram em situação de vulnerabilidade e os serviços sociais não atendem turistas". Por isso, "as dificuldades avolumam-se", concluiu.