Parlamento recomenda novos organismos no interior, mas rejeita deslocalizar já existentes

Iniciativa Liberal quer deslocalizar diversos organismos públicos para fora de Lisboa, como a sede do Infarmed para o Porto ou a sede do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana para Portimão.

Foto
Carlos Guimarães Pinto, deputado da Iniciativa Liberal MIGUEL A. LOPES

A Assembleia da República (AR) aprovou esta quinta-feira uma recomendação ao Governo proposta pela Iniciativa Liberal para que novos serviços e organismos públicos sejam instalados no interior, mas rejeitou três projectos de lei para deslocalizar entidades já existentes.

A recomendação para que o Governo "instale em territórios abrangidos pela Portaria n.º 208/2017, de 13 de Julho todos os novos serviços e organismos da Administração Pública que venham a ser criados" foi aprovada com votos a favor de PSD, Iniciativa Liberal e Livre, abstenções de PS, Chega, Bloco de Esquerda e PAN, e votos contra do PCP.

Esta portaria procede à delimitação dos territórios do interior beneficiários de medidas do Programa Nacional para a Coesão Territorial (PNCT) e tem uma lista das áreas territoriais abrangidas em anexo.

O mesmo projecto de resolução da Iniciativa Liberal continha outras 13 recomendações ao Governo, para deslocalização de entidades já existentes para outros distritos que não o de Lisboa, aos quais apenas o PSD juntou os seus votos favoráveis, todas rejeitadas pela maioria parlamentar socialista.

Foram igualmente rejeitados pelo PS os três projectos da Iniciativa Liberal já não em forma de resolução, mas com força de lei, para determinar a transferência para fora da capital, até ao fim de 2024, de seis actuais organismos públicos, entre os quais o Infarmed e a Anacom.

O PSD votou a favor de todas estas iniciativas da Iniciativa Liberal. Chega e BE abstiveram-se e PCP votou contra, enquanto os deputados únicos do PAN e do Livre tiveram sentidos de voto diferentes consoante as propostas.

Contra o centralismo e com o objectivo de combater as assimetrias regionais, a Iniciativa Liberal pretendia mudar as sedes do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana para Portimão, do Infarmed – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde para o Porto e da da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões para Castelo Branco.

Os projectos de lei assinados pelos oito deputados da Iniciativa Liberal determinavam ainda que a Anacom – Autoridade Nacional de Comunicações passasse a ter sede em Viseu, a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos fosse transferida para Leiria e a Autoridade da Concorrência para Santarém.

Nos termos dos articulados, estas transferências deveriam iniciar-se na data da entrada em vigor da presente lei, em conjunto com o próximo Orçamento do Estado, ficando definitivamente concluídas até ao fim do ano de 2024.

O projecto de resolução da Iniciativa Liberal recomendava o Governo a deslocalização de outros organismos públicos, como a Agência para o Desenvolvimento e Coesão, a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica, o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas e o Alto Comissariado Para as Migrações para outros distritos que não o de Lisboa, como Portalegre, Braga, Leiria e Setúbal.

IL criticada por propor deslocalização “sem critério”

A IL foi criticada esta quinta-feira pelos restantes partidos que lhe apontaram falta de critério na proposta de deslocalização de entidades públicas para fora de Lisboa, apesar de reconhecerem a necessidade de combater as assimetrias regionais.

O deputado liberal Carlos Guimarães Pinto defendeu que deslocalizar organismos da administração central “é um passo fundamental para a coesão territorial” e apontou que a concentração destes serviços em Lisboa “alimenta a economia à sua volta” criando um círculo vicioso.

Os liberais querem “aproximar alguns organismos dos sectores que tutelam” e argumentaram que esta deslocalização poderia aliviar a pressão sobre a capital, libertando imóveis em plena crise da habitação.

Apesar de acompanharem a preocupação da elevada concentração de pessoas e serviços no litoral do país, particularmente em Lisboa, os partidos criticaram as propostas da IL, com a deputada Berta Nunes, do PS, a referir que os socialistas são favoráveis à “localização preferencial de novos serviços da Administração Central nos territórios de baixa densidade e da deslocalização, sempre que possível, de serviços já existentes para esses territórios”.

“Não podemos, contudo, acompanhar as medidas hoje apresentadas pela Iniciativa Liberal, por forçarem a deslocalização de vários serviços sem critérios, sem verificar se tal é possível ou desejável e sem acautelar os direitos dos trabalhadores dos mesmos. Consideramos estas iniciativas demagógicas, mal fundamentadas e inconsequentes, pelo que não as poderemos acompanhar”, justificou.

Pelo PSD, o deputado João Barbosa de Melo reconheceu a importância do tema e disse estar disposto a dar “uma oportunidade” às propostas, mas deixou críticas à forma como estão estruturadas, dizendo que não apresentam estudos, medição de impactos ou metas e são “medidas avulsas, pontuais, voluntaristas” que acabam por “esbarrar na realidade”.

Momentos mais tarde, Guilherme Almeida, também do PSD, salientou que “existe um amplo consenso político sobre a necessidade de valorizar o interior, mas o que sobeja em discurso escasseia em reformas, em atitudes e em recursos”.

“Saudamos a iniciativa da Iniciativa Liberal como princípio de deslocalização de serviços de Estado que o PS prometeu e não cumpriu, mas este Estado centralista precisa de uma reforma muito mais profunda. Para o PSD o desequilíbrio do nosso território é um dos maiores insucessos da nossa democracia. Consideramos que este tema deve ser uma prioridade e um desígnio nacional”, afirmou.

O presidente do Chega, André Ventura, acusou os liberais de “amadorismo” e “puro eleitoralismo”, ao proporem esta deslocalização sem criar ou explicar critérios.

A líder parlamentar do PCP, Paula Santos, considerou que a IL propõe transferências de sede de organismos públicos “sem qualquer critério” e sem “avaliação dos impactos” e contrapôs que o fundamental é que haja “serviços desencontrados mais próximos dos cidadãos”. Por outro lado, defendeu que “desconcentrar e deslocalizar implica avançar com o processo de regionalização”.

Isabel Pires, do BE, acusou a IL de incoerência por defender uma política de “Estado mínimo” que levou ao problema actual de centralismo no país, ao encerrar diversos serviços no interior.

A deputada única do PAN, Inês Sousa Real, lamentou que estas propostas não incluam uma “auscultação dos funcionários” destas entidades, correndo o risco de prejudicar os organismos em causa.

Também o deputado único do Livre, Rui Tavares, manifestou preocupação em ouvir os funcionários destes organismos, tendo apresentado um projecto de lei em debate que pretendia definir o processo de auscultação e o processo de apreciação prévios à eventual deslocalização de pessoas colectivas públicas.

Perante as críticas, o deputado da IL Carlos Guimarães Pinto admitiu que “há um custo de transição”, mas que isso não devia ser um impedimento “para manter um país centralista e com a capital excessivamente ocupada”.

Já no fim do debate, e antes das votações, o líder parlamentar da Iniciativa Liberal, Rodrigo Saraiva, deixou um apelo: “Se concordam que isto é uma preocupação, vejam este debate como um ponto de partida e venham todos para o processo da especialidade debater, estabelecer critérios”.

Notícia actualizada com votações