Sauditas e iranianos carimbam a sua reconciliação em Pequim

Riad e Teerão dão mais um passo para restabelecer laços e pôr fim a anos de uma rivalidade visceral que alimentou vários conflitos no Médio Oriente.

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Faisal bin Farham al-Saud, Hossein Amirabdollahian e Qin Gang: uma imagem que poucos antecipariam há um mês Reuters/WANA NEWS AGENCY

O acordo em que concordavam com a reaproximação diplomática já tinha sido anunciado na capital chinesa e foi em Pequim que os ministros dos Negócios Estrangeiros da Arábia Saudita e do Irão se encontraram esta quinta-feira para um aperto de mão acompanhado de sorrisos e de um comunicado a anunciar a reabertura de embaixadas e uma simplificação dos procedimentos de vistos. Na agenda imediata está uma visita do Presidente iraniano, Ebrahim Raissi, a Riad, provavelmente já em Maio.

“Os dois lados sublinharam a importância de dar sequência e de pôr em prática o Acordo de Pequim, de forma a melhorar a confiança mútua e expandir o âmbito da cooperação, contribuindo para alcançar segurança, estabilidade e prosperidade na região”, lê-se no comunicado conjunto. Antes, o ministro saudita, príncipe Faisal bin Farham al-Saud, e o chefe da diplomacia de Teerão, Hossein Amirabdollahian, tinham assinado o protocolo para a execução do acordo numa cerimónia com a presença do homólogo chinês, Qin Gang.

A televisão estatal chinesa saudou “o primeiro encontro oficial entre os ministros dos Negócios Estrangeiros dos dois países em mais de sete anos”, um desenvolvimento alcançado “sob a mediação da China”.

A escolha do palco para o encontro que mostra ao mundo o empenho das duas potências regionais em materializar o surpreendente anúncio de Março volta a dar ao regime chinês crédito quase total por um processo de negociações que teve os primeiros passos no Iraque e contou ainda com a participação de Omã. O local para este encontro, escreveu o jornal saudita Asharq al-Awsat, citando um responsável em Riad, “surgiu como um prolongamento do papel positivo de Pequim” no acordo.

Daqui até Maio deverão reabrir as embaixadas do Irão em Riad e da Arábia Saudita em Teerão, assim como os consulados de Jeddah e Mashhad. Caberá agora às “equipas técnicas analisar formas de expandir a cooperação, incluindo o recomeço de voos, visitas bilaterais de responsáveis políticos e de delegações do sector privado e concessão de vistos aos cidadãos dos dois países”.

Esta reaproximação, lembra a AFP, deverá ainda permitir concretizar por fim acordos de colaboração económica e de segurança assinados há mais de 20 anos entre a monarquia que se vê como líder do mundo muçulmano sunita e o principal país xiita.

Décadas de competição por hegemonia regional foram exacerbadas com as alianças que cada um estabeleceu na sequência das chamadas Primaveras Árabes, em 2011, quando Riad quis defender o statu quo no mundo árabe e Teerão viu a sua “mensagem revolucionária diluída e ultrapassada” (Shahram Chubin), acabando por aumentar o seu envolvimento na Síria e no Iémen.

Mais economia, menos EUA

A gota de água para o corte diplomático chegou em 2016, quando a Embaixada da Arábia Saudita no Irão foi invadida e incendiada depois de Riad executar o ayatollah Nimr Baqir al-Nimr, um xeque xiita que liderara os protestos na Província Oriental saudita, a região de maioria xiita que tentara rebelar-se entre 2011 e 2013. Entre estes protestos e a morte de Nimr, o príncipe herdeiro saudita, Mohammed bin Salman, arrastara os países árabes para a guerra civil iemenita, decidido a “puxar o tapete iraniano” e a pretexto de defender o que restava do Governo reconhecido internacionalmente, atacado por rebeldes houthis (xiitas), supostas “marionetas do Irão”.

Outros tempos, outras prioridades: hoje o Irão precisa desesperadamente de quebrar o seu isolamento (o acordo sobre o seu programa nuclear acabou esmagado pela repressão à revolta dos iranianos contra o regime, a partir de Setembro) e a Arábia Saudita quer anular potenciais ameaças que possam pôr em causa os seus planos de desenvolvimento socioeconómico.

Junta-se a isto o facto de Riad já não confiar nos Estados Unidos para garantir a sua segurança, principalmente desde 2019, quando Washington respondeu de forma muito moderada aos ataques reivindicados pelos houthis contra infra-estruturas petrolíferas sauditas. “Este foi um ataque na Arábia Saudita e não foi um ataque contra nós”, afirmou o então Presidente Donald Trump, mostrando ao velho aliado que a crescente auto-suficiência energética dos norte-americanos diminuía o seu empenho em fazer cumprir o acordo na base da sua aliança histórica: petróleo em troca de segurança.

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