Ministro admite alargar aborto voluntário aos cuidados de saúde primários

Manuel Pizarro admitiu essa possibilidade para ultrapassar os casos em que há dificuldade de acesso por causa da distância.

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Ministro da Saúde disse estar a trabalhar para que consulta no Centro de Saúde de Amarante seja retomada Rui Gaudencio

O ministro da Saúde admitiu, esta quarta-feira, a possibilidade de alargar o recurso a interrupção voluntária da gravidez (IVG) aos cuidados de saúde primários, para ultrapassar os casos em que há dificuldade de acesso por causa da distância. Durante a audição no Parlamento, Manuel Pizarro disse ainda estar aberto ao diálogo sobre o enquadramento legal da interrupção voluntária da gravidez, mas alertou para que esta discussão não transforme num insucesso um "caso de sucesso da sociedade e do Serviço Nacional de Saúde".

"Já existiu no norte do país [a IVG], no Centro de Saúde de Amarante, foi interrompida por causa da pandemia e não voltou a ser retomada. Estamos a trabalhar para retomar essa [possibilidade] e para, a partir dessa resposta, organizar a possibilidade noutros locais, (...) nos cuidados de saúde primários, para resolver o problema de uma certa proximidade e de uma certa distância", afirmou Manuel Pizarro.

O ministro, que falava na comissão parlamentar de Saúde, onde foi ouvido a pedido do Bloco de Esquerda, Livre, Iniciativa Liberal e PCP sobre o acesso à interrupção voluntária da gravidez, ressalvou, contudo, que é preciso "respeitar muito a vontade da mulher em relação ao sítio onde quer recorrer a este serviço".

Deu como exemplo a situação nas regiões do Alentejo e do Algarve, em que, independentemente de haver ou não acesso à IVG, as mulheres procuram-no noutras regiões do país. "Provavelmente, as pessoas querem condições de maior privacidade, de maior recato", acrescentou.

O governante defendeu também que é preciso "examinar com cuidado o que é que se passa nas unidades de saúde", afirmando que há situações muito diversas. "Eu posso admitir que numa ou noutra unidade de saúde não haja acesso à IVG, desde que seja claro como é que as mulheres são orientadas para ter acesso simples a IVG através do SNS", disse o ministro, admitindo também que haja hospitais cujos recursos humanos são muito limitados e não consigam ter equipas para realizar este procedimento.

"Não foi isso que me perturbou, o que eu tenho que assegurar é que há um encaminhamento humanizado e pronto para estas circunstâncias, e é o que estamos a fazer, hospital a hospital, tentando perceber que medidas correctivas têm de ser feitas", vincou Manuel Pizarro.

Aberto ao diálogo sobre o enquadramento legal

Quanto ao debate sobre o enquadramento legal, proposto pela deputada do BE Catarina Martins, afirmou que é sempre legítimo: "Não estou fechado a esse debate. Agora não façamos com que este debate transforme um sucesso da sociedade portuguesa e do SNS num insucesso." "É que não estamos a falhar, nós estamos a ser bem-sucedidos nesta matéria, o que não implica desvalorizar as mulheres e os momentos em que nós falhamos. Se falhámos com essas mulheres e com esses momentos, devemos uma solução a esse problema", defendeu.

Manuel Pizarro demonstrou o sucesso desta medida, apontando que entre 90% e 95% das mulheres que recorrem à interrupção voluntária da gravidez a pedido são orientadas para as consultas de planeamento familiar e que a IVG é feita numa mediana de sete semanas, sendo Portugal um dos países da Europa em que é realizada em média mais cedo, o que considerou "muito positivo".

"A mediana do tempo de espera entre a consulta prévia e o momento de finalização da IVG é de cinco dias, o que é também um número francamente aceitável", realçou. Segundo o ministro, o SNS faz a IVG em 29 hospitais, tendo contratos com privados em quatro outros hospitais e referenciando para outras instituições da rede pública em sete casos.

Manuel Pizarro aplaudiu ainda o facto de a IVG ter sido descriminalizada: "Acabou com esse estigma e essa violência a duplicar e a triplicar contra as mulheres e erradicou um gravíssimo problema de saúde pública, com o qual nós vivemos durante décadas, em nome de uma proibição que era uma hipocrisia, porque era uma coisa proibida que toda a gente sabia que se fazia na mesma nos vãos de escadas e noutros espaços e que, felizmente, o Serviço Nacional de Saúde resolveu."

Quanto aos médicos objectores de consciência, a deputada socialista Maria Antónia Almeida Santos lembrou que o facto de um hospital ter apenas médicos objectores nos quadros não é impeditivo da realização de IVG, dando como exemplo o Hospital do Médio Tejo, que os deputados visitaram, concluindo que os registos dos objectores de consciência não reflectem a realidade vivida nos hospitais.

Segundo explicou, no caso do hospital visitado, a administração contratou três médicos para assegurar que o acesso à IVG seja "em tempo e de forma segura", lembrando os dados que indicam que isto é o que acontece em 71% dos casos. Reconheceu, contudo, que "há questões a melhorar", apontando a necessidade de agilizar procedimentos e de dar formação a quem está nos atendimentos.