Sobrinhos da viúva de Jorge Luis Borges surgem para reclamar a sua herança

María Kodama, que era a gestora da obra do lendário escritor argentino, não terá tido filhos, bem como não terá deixado testamento.

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María Kodama com Jorge Luis Borges, Paris, 1977 Laurent MAOUS/Gamma-Rapho/ Getty Images

O legado de Jorge Luis Borges (1899-1986), nome maior da literatura argentina, poderá ficar nas mãos de cinco sobrinhos de María Kodama, viúva do emblemático escritor que era a gestora da sua obra e que morreu no último dia 26 de Março, aos 86 anos. Mariana, María Belén, Matías, Martín e María Victoria Kodama apresentaram-se esta terça-feira em tribunal, aspirando ficar com a herança de Kodama — que criou a Fundação Internacional Jorge Luis Borges em 1988 e foi a sua presidente até à sua morte. Ela não terá tido filhos e também não terá deixado testamento, segundo o seu advogado, Fernando Soto.

Este havia, na segunda-feira, pedido à Justiça argentina para iniciar os trâmites do processo sucessório de María Kodama, bem como nomear um responsável pela Fundação Internacional Jorge Luis Borges — que, como estava inteiramente dependente da gestão e do financiamento de Kodama, só tem fundos para funcionar durante mais três meses, alega Fernando Soto.

O jornal argentino La Nación revelou que, no documento que o advogado entregou ao tribunal, este pede que, caso não haja herdeiros legítimos, a herança de Kodama “seja declarada vaga”. Uma herança é declarada vaga quando, por falta de herdeiros ou testamento, é deferida ao Estado (no caso, o Governo de Buenos Aires).​

Soto foi contestado por, ao invés de ter passado mais tempo à procura de possíveis familiares de María Kodama, ter avançado com algo deste género apenas uma semana após a morte da viúva de Borges. Em resposta às críticas, disse que o que fez visou ajudar a que os possíveis herdeiros aparecessem mais rapidamente.

Mariana, María Belén, Matías, Martín e María Victoria Kodama serão filhos de Jorge Kodama, que morreu em 2017, aos 87 anos. Era irmão de María Kodama, sendo que os dois não teriam uma relação próxima. O jornal argentino Clarín escreve que os cinco apresentaram documentos que comprovarão serem sobrinhos da viúva de Jorge Luis Borges (as certidões de nascimento e falecimento de Jorge Kodama e dos seus avós — pais de Jorge e María Kodama — e as suas próprias certidões de nascimento).

No último Verão, María Kodama afirmou ao La Nación que, após a sua morte, os direitos da obra de Jorge Luis Borges seriam transferidos para duas universidades, uma nos Estados Unidos e outra no Japão. O que Fernando Soto disse esta semana foi que nada terá ficado escrito.

“Alegra-me muito e alivia o meu espírito que os sobrinhos de María Kodama se tenham apresentado como herdeiros. Abre-se uma nova etapa na protecção da obra de Borges”, escreveu Fernando Soto no Twitter, esta terça-feira.

Kodama tinha mais do que uma propriedade. O seu advogado não descarta a hipótese de que apareça um testamento com a sua caligrafia, mas duvida. A viúva de Borges era uma pessoa muito “organizada”, diz, citado pelo El País. Este jornal acrescenta que os sobrinhos de Kodama, que estão à espera das decisões que a Justiça argentina terá agora de tomar, pedem que seja feito um inventário provisório da herança, bem como pedem “a protecção do arquivo que María Kodama guardava, entre primeiras edições [de obras de Borges], prémios e manuscritos”.

Filha de mãe argentina e pai japonês, Kodama casou-se com Jorge Luis Borges em 1986, dois meses antes da morte do autor de Ficções (1944) e O Aleph (1949). Antes disso, trabalhou para ele enquanto sua secretária literária. Nos últimos anos da vida de Borges, Kodama acompanhou-o nas suas viagens internacionais. Os dois colaborariam em Breve Antologia Anglo-saxónica (1978) e Atlas (1984), o derradeiro livro de Borges a ser publicado antes da sua morte.​

Num testamento datado de 1979, o escritor transferiu para Kodama os direitos autorais da sua bibliografia. Seis anos depois, legou-lhe todos os seus bens. Jorge Luis Borges e María Kodama casaram-se em Abril de 1986. O autor era já doente oncológico. A 14 de Junho do mesmo ano, morreu de cancro do fígado.

Kodama geriu o legado da obra de Borges com mão firme, tendo tido uma relação desafiante com figuras que chegaram a travar uma amizade com o autor argentino.

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