Disparidade no crescimento de crianças que vivem em cidades ou zonas rurais diminuiu no século XXI
Programas de nutrição, como a distribuição de leite nas escolas primárias, tiveram impacto positivo na melhoria das condições de crescimento das crianças em ambiente rural, refere estudo.
As vantagens de viver em cidades para o crescimento e desenvolvimento saudável de crianças e adolescentes diminuíram no século XXI, conclui um estudo internacional publicado na última edição da revista Nature. A melhoria das condições de nutrição e alimentação das crianças nos ambientes rurais é um dos factores mais relevantes para esta diminuição.
“No século XX, em quase todos os países desenvolvidos, as crianças e adolescentes que viviam em meios urbanos eram mais altos comparativamente aos que viviam em áreas rurais. Este novo estudo determinou que, no século XXI, esta vantagem diminuiu na maior parte dos países como resultado das melhorias aceleradas na altura de crianças e adolescentes em áreas rurais”, revela uma das autoras do estudo, Cristina Padez, da Universidade de Coimbra.
A investigação, realizada por um consórcio liderado pelo Imperial College de Londres (Reino Unido), envolveu mais de 1500 investigadores e médicos, analisou dados de altura e o índice de massa corporal (IMC) de 71 milhões de crianças e adolescentes, entre os cinco e os 19 anos, em áreas urbanas e rurais de duas centenas de países, entre 1990 e 2020.
O estudo contou com a participação de vários investigadores portugueses do Instituto Politécnico de Lisboa, do Instituto Politécnico do Porto, da Universidade de Coimbra, da Universidade da Madeira, da Universidade do Minho, da Universidade Nova de Lisboa e da Universidade do Porto.
Segundo Cristina Padez, da Universidade de Coimbra, este estudo mostra que, em média, as crianças que vivem nas cidades tinham um peso ligeiramente mais elevado comparativamente às das áreas rurais em 1990. “Em 2020, as médias de IMC aumentaram na maioria dos países, embora mais rapidamente para as crianças urbanas, excepto na África subsariana e no Sul da Ásia, onde este indicador aumentou mais rapidamente em áreas rurais”, revelou.
No entanto, segundo a investigadora, “ao longo de 30 anos, a diferença entre o IMC urbano e rural permaneceu pequena”, sendo “menos de dois quilos de peso para uma criança com 130 centímetros de altura ou menos de três quilos de peso para um adolescente com 160 centímetros”.
O consórcio conclui que, apesar de a altura e o IMC terem aumentado em todo o mundo desde 1990, “o grau de mudança entre as áreas urbanas e rurais variou muito entre os diferentes países de nível económico médio e baixo, enquanto pequenas diferenças urbano-rurais permaneceram estáveis nos países de economias mais desenvolvidas”.
De acordo com os cientistas, “ao contrário da suposição generalizada de que a urbanização é o principal impulsionador da obesidade, este estudo indica que muitos países ocidentais mais desenvolvidos a nível económico tiveram pouca diferença em altura e IMC ao longo do tempo”, sendo que “o IMC urbano e rural diferia em menos de uma unidade em 2020” (perto de 1,5 quilos de peso para uma criança de 130 centímetros).
No entender do líder do estudo, Majid Ezzati, do Imperial College de Londres, “a questão não é tanto se as crianças vivem em cidades ou áreas urbanas, mas onde vivem os pobres e se os governos estão a enfrentar as crescentes desigualdades com o desenvolvimento de iniciativas como complemento monetário adicional e programas de alimentação escolar gratuita”.
Os investigadores consideram preocupante a tendência observada na África subsariana: “Os meninos que vivem em áreas rurais estabilizaram ou até ficaram mais baixos ao longo das três décadas, em parte devido às crises nutricionais e de saúde que se seguiram à política de ajuste estrutural na década de 1980”.
Para Majid Ezzati, “este é um problema sério a todos os níveis, do individual ao regional”, estando o crescimento oscilante em crianças e adolescentes em idade escolar “fortemente ligado a problemas de saúde ao longo da vida, ao menor sucesso escolar e ao imenso custo do potencial humano não realizado”.
“As nossas descobertas devem motivar políticas que combatam a pobreza e tornem acessíveis alimentos nutritivos para, desta forma, garantir que crianças e adolescentes cresçam e se tornem adultos com vidas saudáveis e produtivas”, defende.