Emissões de gases que destroem a camada de ozono dispararam, mas não se sabe de onde vêm
Camada do ozono continua na sua trajectória de recuperação, mas estes gases contribuem para alterações climáticas. A abundância de cinco gases CFC aumentou na atmosfera entre 2010 e 2020, diz estudo.
As emissões de cinco tipos de gases que destroem a camada de ozono – os clorofluorcarbonetos (CFC) – dispararam entre 2010 e 2020, assim como a presença destes mesmos compostos na atmosfera. E há outra má notícia: não se sabe de onde vêm estes poluentes. Estas são as conclusões de um artigo publicado esta segunda-feira na revista Nature Geoscience.
A produção de CFC foi suprimida em 2010, ao abrigo do Protocolo de Montreal. Este acordo global foi ratificado por 197 países, em 1987, precisamente com o objectivo de proteger a camada de ozono através da eliminação progressiva dos compostos químicos que a degradam. Seria então expectável que as emissões dos cinco compostos estudados tendessem a um declínio – mas o que aconteceu foi exactamente o contrário.
“Nós não sabemos a origem geográfica directa destas emissões”, afirmou o co-autor Isaac Vimont numa conferência de imprensa virtual. “Tanto os Estados Unidos (EUA) como a Europa possuem extensas redes de monitorização [de emissões] – quanto maior o número de estações, maior a capacidade de determinar [a origem]”, acrescenta o cientista da agência dos EUA para a atmosfera e o oceano (NOAA, na sigla em inglês).
“Há uma clara lacuna neste tipo de medições na Ásia”, referiu na mesma ocasião Stefan Reimann, investigador dos Laboratórios Federais Suíços para a Tecnologia e a Ciência dos Materiais (EMPA, na sigla em alemão). E é precisamente na Ásia que a “capacidade de produção é mesmo grande”, acrescentou o cientista, que garante que as emissões não têm origem nos Estados Unidos ou na Europa. Os três co-autores presentes na conferência de imprensa não aventaram hipóteses relativamente aos países emissores.
Como explicar a subida em flecha?
Os cientistas examinaram apenas cinco tipos de CFC: o CFC-113, o CFC-112a, o CFC-113a, o CFC-114a e o CFC-115. Todos são clorofluorcarbonetos que não têm um uso conhecido no sector industrial e que podem persistir na atmosfera por um período entre 52 e 640 anos. Recorrendo a medições feitas em 14 estações internacionais, os autores descobriram que a concentração destes compostos na atmosfera não só aumentou desde 2010 como atingiu um recorde em 2020. Como explicar esta subida em flecha?
A explicação pode residir no uso dado aos cinco compostos em causa. O CFC-113a, CFC-114a e CFC-115 são conhecidos por estarem envolvidos na produção de outros produtos químicos (já vamos explicar melhor o papel que desempenham como matéria-prima na indústria química). O Protocolo de Montreal proibiu a produção de CFC, mas não regula a geração destes compostos durante processos industriais para produzir produtos químicos alternativos aos CFC.
Não há, todavia, finalidades conhecidas para o CFC-112a e o CFC-113, o que faz com que, para os autores, o mistério do aumento das emissões seja difícil de esclarecer. O famoso CFC-11, por exemplo, era usado antes de 2010 em aparelhos de refrigeração e espumas de construção. É expectável, portanto, que existam em electrodomésticos antigos ou espumas de construção a libertar estes compostos para a atmosfera. Mas o mesmo não acontece com os cinco tipos de CFC estudados pelos autores.
“O CFC-11 deve estar a vir de espumas ou frigoríficos velhos. Mas não sabemos o que está a fazer as emissões [de outros CFC] aumentarem”, disse Luke Western, primeiro autor do estudo e investigador na NOOA. “É importante notar que a emissão destes cinco CFC continua a subir”, alerta.
O estudo refere que, juntas, as emissões dos cinco CFCs foram equivalentes em 2020 a 4200 toneladas de CFC-11, o segundo clorofluorcarboneto mais abundante na atmosfera. No que toca ao efeito de aquecimento global, os autores afirmam que as emissões totalizaram 47 milhões de toneladas de CO2 – o que equivale a 150% das emissões de CO2 da cidade de Londres em 2018.
“Uma chave num relvado”
Isaac Vimont diz que localizar a origem destas emissões de CFC é como perder as chaves num vasto relvado. “Imagine que pode procurar as chaves apenas em quatro ou cinco pontos da relva. Se estiver perto de uma dessas áreas, será muito mais fácil localizá-las. Quanto mais medições houver, mais fácil será saber de onde vêm [as emissões]”, compara o cientista.
O estudo da Nature Geoscience sugere que a ascensão notável das emissões está associada a processos que não estão hoje regulados pelo Protocolo de Montreal. É o caso, por exemplo, do uso de CFC como matéria-prima para a obtenção de outros compostos.
Provavelmente as emissões se devem a “vazamentos durante processos de produção” ou a episódios de “contaminação” (ou seja, quando os CFC constituem subprodutos indesejados da indústria química), aventa Isaac Vimont, em declarações aos jornalistas presentes na conferência de imprensa virtual.
Antes do Protocolo de Montreal, os CFC foram muito utilizados como gases de refrigeração nos frigoríficos e aparelhos de ar condicionado, solventes, agentes de expansão de espuma e propulsores em latas de aerossóis. Como foram identificados como responsáveis pelos danos causados à camada de ozono, que funciona como um “escudo” protector da Terra, os compostos químicos deixaram de ser produzidos no mundo.
O facto de a produção dos CFC ter sido proibida não significa, contudo, que estes compostos simplesmente deixaram de existir no planeta. Eles ainda circulam sob a forma de matérias-primas (ingredientes para produzir outro composto), intermediários e subprodutos durante a produção de outros produtos químicos, como hidrofluorcarbonetos (HFC).
Os HFC foram a alternativa encontrada pelo sector industrial para substituir os compostos indesejados na área da refrigeração. Em 2016, o Protocolo de Quioto foi actualizado por forma a também prever a redução progressiva dos HFC. Embora não sejam responsáveis pela destruição da camada de ozono, são considerados gases com efeito de estufa – contribuindo, portanto, para a mudança do clima.
O buraco de ozono vai aumentar?
Um relatório das Nações Unidas, divulgado em Janeiro, indicava que estávamos no bom caminho para fechar o buraco na camada de ozono. Previa-se que dentro de quatro décadas poderia estar recuperada. E agora? O estudo da Nature Geoscience vem deitar por terra o esforço que fizemos até aqui? Não, para já não há razões para alarmismos. Mas este artigo científico, assim como outros, deve ser entendido como um sinal de alerta.
O aumento de emissões destes cinco CFC entre 2010 e 2020 teve, segundo o artigo científico, “um impacto modesto” em termos de ozono estratosférico e “uma contribuição substancial” para as alterações climáticas. “Qualquer impacto que possa haver na recuperação da camada de ozono será pequeno nesta altura”, afirmou Luke Western.
Um aumento contínuo na taxa actual pode, contudo, não só desperdiçar parte do progresso feito ao abrigo do Protocolo de Montreal, mas também ter impactos climáticos adicionais.
“Se todas estas substâncias que vemos aqui como emissões fossem acondicionadas em comboios de carga, estaríamos a falar de uma composição com cerca de dois quilómetros”, compara Stefan Reimann. “Há um perigo se formos mais longe do que estamos agora. Isto constitui um alerta precoce para os signatários do Protocolo [de Montreal]”, avisou o investigador do EMPA.
A camada de ozono representa um “escudo” protector para a Terra. Está localizada na estratosfera, que é uma das várias camadas que compõem a atmosfera. Danificar esta faixa protectora equivale a ficarmos cada vez mais expostos às radiações de elevada energia que vêm do Sol. Daí que a comunidade científica queira, mediante a exposição de medições e gráficos, alertar os decisores internacionais para o risco de perdermos o trabalho feito desde o Protocolo de Montreal.