Painéis solares: circularidade para a prosperidade
É hoje evidente que a transição climática se fará, em grande parte, por via da energia solar. As políticas energéticas e ambientais apontam no sentido de um número crescente de painéis solares instalados, mas um novo problema surgirá: a quantidade destas tecnologias que chegarão ao seu fim de vida durante as próximas décadas acompanhará esse crescimento. Os modelos económicos lineares que hoje vigoram ditam que os painéis solares acabem em aterros, com todas as consequências ambientais daí provenientes. Para se evitar que um novo desastre climático nasça da tentativa da resolução dos atuais, é necessário adotar modelos de economia circular, apostar na inovação e legislar nesse sentido.
O desenvolvimento industrial e a investigação científica permitiram, através de painéis solares e outras tecnologias, produzir eletricidade sem emitir gases com efeito de estufa, de formas cada vez mais eficientes e económicas. Segundo a Agência Internacional para as Energias Renováveis, existirão em 2050 mais de 78 milhões de toneladas de painéis solares em fim de vida. A lógica de usar um painel solar e aterrá-lo no fim faz assim surgir um problema que merece atenção: não é sustentável, de um ponto de vista ambiental aterrar quantidades tão elevadas de materiais como aquelas que este setor gerará nas próximas décadas.
Isso torna-se evidente quando dois pontos são considerados: por um lado, o aterro desses materiais é previsivelmente danoso para os solos e para os ecossistemas e, por outro, sendo os recursos do planeta limitados, será necessário explorar enormes quantidades de matérias-primas para produzir novos painéis solares que substituam aqueles que forem descontinuados.
Dois excelentes artigos levados a cabo pela Fundação Ellen MacArthur alertam para este problema e lançam a receita para que a mudança seja feita. Essa estratégia baseia-se em ajustes económicos e tecnológicos, prolongando ciclos de vida, criando um mercado secundário para estes equipamentos, redefinindo os designs dos painéis e desenvolvendo o processo de reciclagem. Não deixa, no entanto, de enaltecer o determinante papel dos legisladores na criação de condições para que tudo isso seja possível, ao evitar que aterrar continue a ser mais atrativo do que descontinuar prematuramente e aterrar em seguida.
O prolongamento dos ciclos de vida dos equipamentos permitirá que um mesmo painel, sem necessidade de ser substituído, possa produzir energia durante mais tempo. Atualmente, o ciclo de vida de um painel é cerca de 25 anos, mas estudos sugerem que aqueles que são hoje instalados podem operar durante 50. Apesar de um ligeiro decréscimo na eficiência - que será sempre inevitável - através de uma avaliação e manutenção regular é possível mantê-los em condições adequadas de funcionamento.
Acontece que, de um ponto de vista de análise de projeto, manter uma determinada tecnologia durante tanto tempo no mesmo local pode não ser desejável. Por isso, a criação e um mercado secundário de tecnologias solares permitiria reutilizar equipamentos. Sendo relativamente fáceis de transportar – com as devidas precauções – tornar-se-ia positiva a mudança para outros lugares, mantendo estes painéis em funcionamento num outro local mais desejável para esse momento do seu ciclo de vida e correspondendo ainda assim às necessidades do consumidor.
No que toca aos fins de vida, importa desenvolver a indústria da reciclagem, evitando que os materiais se tornem lixo e se acumulem em aterros, permanecendo na economia e criando valor. Dessa forma permitir-se-á não só eliminar resíduos, mas também abastecer a indústria de produção de novos painéis, reduzindo drasticamente a exploração de matérias-primas. Fala-se da implementação de autêntico modelo de Economia Circular assente no benefício ambiental e dos produtores.
A transição para modelos de negócios circulares no setor da energia solar torna-se, por urgência ambiental, inevitável. Mas é mesmo possível prever, de acordo com algumas avaliações económicas, que estes se tornem mais competitivos. A mudança começa a ser feita um pouco por todo o mundo. Em Queensland, na Austrália, onde serão instalados mais de 25 mil painéis solares até 2030, será proibido, dentro de uma década, enviar painéis solares para aterros. Simultaneamente o Governo levará a cabo um programa experimental de reciclagem de painéis, investigando o impacto de dar incentivos aos instaladores de painéis solares para removerem os produtos em fim de vida e transportá-los para centros de recolha.
Os painéis solares vieram revolucionar a forma como geramos energia, emancipando o setor das renováveis e dando respostas aos desafios ambientais do setor energético. No entanto, os modelos económicos lineares que hoje prevalecem fazem acrescer problemas ecológicos, associados aos efeitos negativos do aterro de painéis solares em fim de vida e à elevada pressão sobre os recursos do planeta para a produção de novos. Nesse âmbito, modelos de Economia Circular apresentam-se como promissores a vários níveis: resolvendo problemas ambientais, gerando valor económico, criando empregos numa indústria altamente tecnológica e, quando descentralizados, promovendo a valorização dos territórios. A mudança está em curso, importa não ficar para trás.