Terão os países europeus violado os direitos humanos através da inacção climática?

Seguiram três casos para o Tribunal Europeu dos Direitos humanos que alegam que a falta de medidas políticas ambientais ameaça os seus direitos humanos. Um dos casos partiu de seis jovens portugueses.

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O caso português envolve 33 países ana brigida

Cidadãos afectados pelas alterações climáticas estão a processar, no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH), governos de mais de 30 países europeus em três casos separados, alegando que a falta de acção dos Estados violou os seus direitos humanos.

Esta quarta-feira, os primeiros casos deste tipo começaram a ser ouvidos no Tribunal de Estrasburgo, em França, e podem sair de lá ordens para que os governos cortem as emissões de gases com efeito de estufa antes do planeado.

Aqui está o que precisa de saber.

Quais são os três casos?

O primeiro caso foca-se no impacto na saúde das ondas de calor, provocadas pelas alterações climáticas, num caso apresentado por milhares de mulheres suíças com mais de 64 anos contra o governo da Suíça, na continuação de uma batalha legal que já conta seis anos iniciada pela associação KlimaSeniorinnen.

O TEDH também ouviu o caso de Damien Carême, membro do partido francês Os Verdes e eurodeputado no Parlamento Europeu, que desafia a recusa do Estado francês de tomar medidas ambientais mais ambiciosas.

O terceiro caso, que deverá ser ouvido depois do Verão, partiu de seis jovens portugueses e é contra 33 países – os 27 estados membro da União Europeia e ainda Noruega, Reino Unido, Rússia, Suíça, Turquia e Ucrânia.

Os jovens portugueses, apoiados por várias organizações não-governamentais, argumentam que esses países violaram os seus direitos e que deviam ser instruídos no sentido de tomarem medidas mais ambiciosas para fazer face às alterações climáticas.

Há seis outros casos climáticos à espera de serem ouvidos pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.

Que direitos podem ter sido violados?

Será nestes três primeiros casos que o TEDH vai analisar se, caso se considere que as políticas climáticas são, de facto, insuficientes, os governos estão a infringir os direitos consagrados na Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

As mulheres suíças argumentam que, ao não reduzir as emissões em conformidade com um caminho que limita o aquecimento global a 1,5ºC, o governo suíço violou, entre outros, o seu direito à vida.

O caso cita o Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC) da ONU, que constatou com grande confiança que as mulheres e os adultos mais velhos estão entre os grupos com maior risco de mortalidade relacionada com a temperatura durante as ondas de calor, e utiliza os registos médicos das queixosas para mostrar a sua vulnerabilidade.

O requerimento de Damien Carême, apresentado em 2019 quando era presidente da câmara municipal de Grande-Synthe, no norte de França, avaliará se a acção governamental considerada insuficiente pode equivaler a uma violação do direito à vida, expondo as casas das pessoas a riscos climáticos.

Neste caso, o Conselho de Estado francês já ordenou a Paris que tomasse medidas adicionais para reduzir as emissões em 40% em relação aos níveis de 1990 até 2030.

Carême vai agora pedir ao tribunal de Estrasburgo que avalie se o facto de o governo não ter feito mais para enfrentar as alterações climáticas violou o seu direito à vida e ao respeito pela privada e familiar.

Os jovens portugueses - cujas idades variam entre pré-adolescentes e os 20 e poucos anos - também argumentam que os 33 países europeus não conseguiram concordar em reduzir as emissões com rapidez suficiente para limitar o aquecimento global a 1,5ºC. Argumentam que o seu direito à vida está a ser ameaçado pelos impactos das alterações climáticas, como os incêndios florestais, e que o fracasso em combater as alterações climáticas discrimina os jovens, que serão mais duramente atingidos.

Um dos jovens foi impedido de frequentar a escola durante vários dias devido à quantidade no ar de fumo dos incêndios florestais; na mesma altura, o jardim de outro membro do grupo ficou coberto por cinzas.

O que está em jogo para os governos?

O resultado dos processos no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos poderia ter uma maior repercussão, apoiando ou prejudicando as perspectivas de casos semelhantes virem a ganhar no futuro - tanto nos tribunais nacionais como no tribunal de Estrasburgo.

Uma vitória poderia também incentivar mais activistas e cidadãos a apresentar casos semelhantes contra os governos - ou, igualmente, uma perda para os queixosos poderia ter um efeito inibidor sobre potenciais reivindicações semelhantes.

Ao processo das KlimaSeniorinnen juntaram-se como terceiros, do lado da Suíça, outros oito países, uma acção que mostra o quanto estes casos são importantes. Os 33 governos do caso dos jovens portugueses também tentaram, sem sucesso, impedir o TEDH de seguir em frente com o processo.

Alguns dos países envolvidos argumentam que os casos não são admissíveis. Nas palavras da Suíça, não compete a Estrasburgo ser "supremo tribunal" em questões ambientais ou fazer cumprir tratados climáticos.

O que pode decidir o tribunal?

O facto de os três casos serem todos remetidos directamente para tribunal pleno, a chamada grand chambre, é visto como significativo, uma vez que apenas os casos que levantam sérias questões sobre a interpretação da Convenção são enviados para lá. Um painel de 17 juízes decidirá sobre os casos e os resultados não podem ser objecto de recurso.

No caso suíço, pede-se que o tribunal prescreva cortes profundos de emissões no prazo de três anos, que garantam que até 2030 os níveis sejam "negativos líquidos" em relação aos níveis de 1990.

O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos trata normalmente de casos dentro de três anos, embora pudesse ser mais rápido, uma vez que pelo menos o caso suíço tem estatuto prioritário.

Na Europa, este tipo de casos já foram julgados em outras instâncias, com alguns casos em que tribunais nacionais defenderam os direitos dos cidadãos em relação às alterações climáticas. É o exemplo de Fundação Urgenda v. Países Baixos, de 2019, onde o Supremo Tribunal holandês ordenou ao governo que acelerasse os planos para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, dizendo que não tinha "feito o suficiente para proteger os seus cidadãos dos efeitos perigosos das alterações climáticas".