O inovador comunitarismo renovável

A energia comunitária não é uma novidade em antigas aldeias. Não admira, portanto, que três delas estejam na linha da frente dos projectos mais inovadores sobre Comunidades de Energias Renováveis.

As graníticas e belas aldeias transmontanas, já quase tinham esquecido a sua essência comunitária. Há apenas algumas décadas estas aldeias tinham rebanhos comunitários, fornos comunitários, hortas comunitárias, e mais um vasto conjunto de infra-estruturas comunitárias. Os trabalhos eram organizados em comunidade. O sábado era o dia reservado para a manutenção da vasta rede de caminhos agrícola. A fonte de energia era a lenha. A giesta, hoje uma praga e polvorim para os incêndios, antes era plantada, era uma cultura energética de base, sendo praticamente a única fonte de energia para cozinhar e para aquecer. O sábado também era tipicamente o dia da energia, em que a comunidade se organizava para coletar, transportar e acondicionar a lenha de giesta. Portanto, a energia comunitária não é uma novidade nestas antigas aldeias.

Tendo em conta esta essência comunitária, não admira que estas mesmas aldeias estejam na linha da frente dos projetos mais inovadores sobre Comunidades de Energias Renováveis. São três aldeias do concelho de Chaves, pertencentes à mesma freguesia (Calvão, Castelões e Soutelinho), constituídas pelo seu núcleo de casario granítico compacto, rodeado por dois quilómetros de terrenos agrícolas.

O que estas aldeias fizeram foi construir uma central fotovoltaica comunitária em cada um dos aldeamentos, tendo como objetivo repartir essa autoprodução de energia verde pelos vizinhos, a um preço que resulta cerca de 30% mais barato que o preço de eletricidade que atualmente compram à rede elétrica. Além desta produção das centrais, existem excedentes de produções fotovoltaicas dispersas, em casas de emigrantes, que em vez de ser “dada” à rede elétrica passa a ser vendida aos vizinhos da comunidade.

Tudo começou em 2021, com a iniciativa de um grupo de estudantes de Engenharia da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. O desafio para estes estudantes era desenvolver um projeto de auditoria energética em ambiente realista. Condicionados por um contexto de pandemia, os estudantes tiveram a ideia de fazer um trabalho remoto de aconselhamento comunitário, almejando chegar a comunidades remotas através de redes sociais, vídeos informativos e sessões de esclarecimento feitas por videoconferência.

Calvão foi uma das aldeias que acolheu esta iniciativa, ficando a comunidade especialmente interessada na novidade do conceito de Comunidades de Energia Renovável, conceito acabado de sair em enquadramento legislativo, algo inovador ainda sem casos práticos em Portugal. A vontade de avançar com um projeto deste tipo foi acolhida com entusiasmo pela comunidade, mas como se poderia encontrar financiamento para tal projeto?

Foto
Nelson Garrido

Em agosto de 2021, a comunidade convidou os administradores da empresa Cleanwatts para passar um fim de semana em Calvão. A comunidade, com muitas dezenas de vizinhos, organizou feijoadas, churrascos, atividades desportivas, visitas aos potenciais locais de instalação das centrais, e uma sessão de esclarecimento nas instalações do Centro Cultural de Calvão.

Os administradores da Cleanwatts ficaram convencidos, aqui fazia todo o sentido montar comunidades de energia renovável. Avançou-se então para um crowdfunding, que em poucos dias conseguiu angariar cerca de 150 mil euros para construção das centrais. Parte destes investidores eram pessoas da terra, alguns deles emigrantes. Atualmente estas centrais já estão construídas, aguardando os trâmites finais para entrar em funcionamento e começar a repartir eletricidade renovável pelos vizinhos da comunidade. A instalação da central foi feita com técnicos da freguesia, gerando trabalho local, muito necessário nestas aldeias.

Este é um exemplo como os velhos hábitos comunitários se podem aplicar às inovadoras tecnologias do presente. Este é um exemplo de como existem soluções simples e locais para os complexos problemas da energia e da pobreza energética. Este é também um bom exemplo de como se pode envolver estudantes em importantes projetos para a sociedade.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico.

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