Aprende a nadar, companheiro
Que a maré se vai levantar
Que a liberdade está a passar por aqui
Maré alta!
Não é todos os dias que escrevemos notícias sobre decisões aparentemente burocráticas que nos deixam a impressão de estar a fazer-se história. No rescaldo da divulgação do relatório síntese do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC), que voltou a confrontar-nos com o futuro difícil que enfrentamos se mantivermos a inércia global em relação às alterações climáticas, não será exagerado o entusiasmo com as boas notícias desta quarta-feira.
Parte desta história começa em 2019, quando um grupo de estudantes de direito de oito países das ilhas do Pacífico Sul, frustrado pela falta de acção global contra as alterações climáticas, lançou uma campanha para persuadir os seus governantes a levar uma resolução às Nações Unidas: requerer ao Tribunal Internacional de Justiça, o órgão judicial da ONU, que clarifique quais são as responsabilidades legais dos países que não estejam a cumprir os seus compromissos de acção climática.
O governo de Vanuatu, um pequeno arquipélago no Pacífico Sul ameaçado pelas alterações climáticas, aceitou o desafio e liderou uma campanha diplomática que culminou, ao fim de quatro anos, na aprovação pela Assembleia-Geral das Nações Unidas desta histórica resolução. Independentemente do que dirá o parecer legal do TIJ, que ainda leva mais de um ano a ser emitido, haverá certamente mais clareza a nível do direito internacional e, espera-se, mais pressão sobre os países para reforçarem a sua acção climática.
Deste lado do Atlântico, em Estrasburgo, também no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos se fazia história: a grand chambre ouviu, pela primeira vez, dois casos referentes à inacção dos Estados para combater as alterações climáticas, violando o direito à protecção efectiva da vida e ao respeito pela vida privada e familiar.
Durante a manhã, ouvimos os argumentos de um grupo de centenas de mulheres com mais de 64 anos, encabeçado pela associação KlimaSeniorinnen, que acusam o Estado suíço de não agir o suficiente para combater as alterações climáticas, cujos efeitos já conhecidos incluem um impacto maior sobre mulheres desta faixa etária.
À tarde, foi ouvido o eurodeputado Damien Câreme, que iniciou o processo em 2018, enquanto autarca, acusando o Estado francês de não fazer o suficiente para reduzir as emissões de gases que alimentam o aquecimento global, o que tem consequências visíveis para a vida dos cidadãos. No final do Verão, o TEDH vai ouvir um terceiro caso que já conhecemos: um grupo de jovens portugueses e diversas ONG estão a processar contra 33 países europeus.
"Bem-vindas ao Dia Internacional da Justiça Climática de 2023!", afirmou Richard Harvey, conselheiro jurídico da Greenpeace, na celebração das KlimaSeniorinnen depois da audição histórica. Os resultados dos acontecimentos desta quarta-feira, que levaram anos a construir-se com grande esforço colectivo, ainda demorarão meses (provavelmente anos) a tornarem-se visíveis, mas sabemos que são passos de gigante na história da justiça climática - a nossa capacidade de exigir acção que proteja todas as pessoas das alterações do nosso planeta, sem deixar ninguém para trás.