PS trava voto aos 16 anos, PSD contra “função social” da propriedade privada
Chega ficou isolado na intenção de tornar o voto obrigatório.
Numa rara aliança entre partidos mais à esquerda e o PSD na comissão de revisão constitucional, a proposta para determinar na Constituição a diminuição da idade mínima para votar para os 16 anos foi travada pelo PS. Já a intenção socialista de inscrever a “função social” no artigo sobre o direito à propriedade privada, que remete para o contexto do polémico arrendamento coercivo, foi rejeitada pelo PSD.
Na reunião desta quinta-feira, o socialista Pedro Delgado Alves fechou a porta à descida da idade de voto dos 18 para os 16 anos, recorrendo essencialmente ao direito comparado – na Europa são poucos os exemplos onde a regra é aplicada –, mas também à idade da maioridade, que está fixada nos 18 anos.
O PSD, que faz a proposta constitucional pela primeira vez, espera que um dia consiga convencer o PS sobre as virtudes da medida numa sociedade envelhecida e na capacidade de o sistema político poder ganhar “mais embaixadores”. A proposta foi também apresentada pelo BE, Livre e PAN, mas ganhou também forte apoio da Iniciativa Liberal. João Cotrim de Figueiredo lembrou que quando Portugal aboliu a escravatura não esteve “à espera de direito comparado”. “Tenho a certeza absoluta de que estarão à altura de honrar esta responsabilidade. Está na altura de dar o voto aos 16 anos”, reforçou.
No artigo 49.º, que demorou mais de 75 minutos a discutir, o PS só teve ao seu lado o PCP e o Chega, que ainda assim não rejeitou totalmente a proposta. Mais isolado ficou o partido liderado por André Ventura ao propor, no mesmo artigo, a obrigatoriedade do voto. “Não nos parece haver virtudes na democracia a chicote”, argumentou o bloquista Pedro Filipe Soares quando rejeitou a proposta, uma posição que foi apoiada pelos demais partidos.
No artigo relativo ao direito à propriedade privada (62.º), discutido poucas horas depois de o arrendamento coercivo ter sido aprovado pelo Governo, a linha vermelha estabelecida pelo PSD afastou a proposta socialista de acrescentar a “função social” com o argumento de que resulta da jurisprudência do Tribunal Constitucional.
Pedro Delgado Alves recorreu ainda a exemplos de textos constitucionais da Alemanha, Espanha e Itália para defender a sua posição e afastar a ideia de que se está a falar de uma “bizarria marxizante que aterrou no Largo do Rato”, Mas não convenceu o PSD. “Para dançar o tango são precisas duas pessoas, e nesta dança o PSD não vai entrar”, afirmou Mónica Quintela.
Ao responder a Rui Paulo Sousa, do Chega, que considerou que a proposta servia para legitimar a medida do arrendamento coercivo, Pedro Delgado Alves lembrou que o projecto constitucional foi apresentado ainda no ano passado. Ao mesmo tempo rebateu o argumento de Mónica Quintela de que a expressão abre a porta ao “confisco”. “Não é nada disso que se está a falar no arrendamento coercivo. O proprietário não vai ficar privado do seu bem. Não misturemos debates”, contrapôs Delgado Alves.
Embora a discussão do artigo não tivesse terminado na reunião desta quinta-feira, depois de mais de três horas de debate, ficou claro que o PSD também se opõe à alteração proposta pelo PCP ao mesmo artigo para estabelecer que “a lei consagra garantias especiais relativas à protecção da casa de morada de família”.
Na reunião da comissão desta quarta-feira, os sociais-democratas também inviabilizaram a intenção do BE de consagrar, no artigo 59.º sobre direitos dos trabalhadores, a “garantia de efectiva desconexão profissional dos trabalhadores nos seus períodos de descanso”. A proposta só colheu simpatias à esquerda e o PS não se pronunciou.
A pretensão socialista de incluir a “responsabilidade social” dos agentes económicos (artigo 61.º) ficou em dúvida porque o PSD assumiu sentir simpatia pelo princípio, mas hesitou em assegurar que será favorável em inscrevê-lo na Constituição. O Chega deixou a pergunta no ar sobre se será mesmo necessário dar forma constitucional enquanto a Iniciativa Liberal assumiu uma posição frontalmente contra, defendendo até que retira “iniciativa privada à iniciativa privada”. Neste ponto, BE, PCP, PAN e Livre concordam com os socialistas.