Governo acaba com publicação obrigatória dos fundos comunitários nos jornais

Modelo de governação do PT 2030 já não obriga o Estado a publicitar as candidaturas aprovadas em jornais das regiões e concelhos onde os projectos seriam executados.

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Mariana Vieira da Silva, ministra com a pasta dos fundos comunitários, durante a cerimónia de assinatura do Acordo de Parceria do PT 2030, em Julho de 2022, no Fundão Sergio Azenha/Arquivo

Numa altura em que se prepara o lançamento dos primeiros concursos do Portugal 2030 (PT 2030), o Governo garante que vai ter um Plano Anual de Avisos actualizado três vezes ao ano, para facilitar o acompanhamento prévio dos apoios (que neste quadro comunitário ascendem a 23 mil milhões de euros), mas ao mesmo tempo acaba com a divulgação das candidaturas aprovadas nos jornais dos municípios e regiões onde esses projectos vão ser executados.

O modelo de governação do PT 2030, aprovado e publicado pelo actual Governo a 25 de Janeiro, através do decreto-lei 5/2023, estabelece no artigo 39.º que “todas as operações aprovadas são objecto de publicitação no Portal dos Fundos Europeus, no site da Internet do respectivo programa e no Portal Mais Transparência”.

Muda assim a regra do PT 2020, cujo modelo de governação (aprovado pelo Governo de Passos Coelho e fixado pelo decreto-lei 137/2014) estipulava que “todas as operações aprovadas são objecto de publicitação, alternadamente, num dos dois jornais locais ou regionais de maior circulação do concelho ou dos concelhos onde a operação é executada, bem como num jornal de âmbito nacional”.

Deixar cair esta obrigatoriedade é uma má opção porque o país ainda tem muita população alheada da Internet, designadamente em zonas menos urbanas, avalia Paulo Trigo Pereira, ex-deputado do PS, economista e autor de estudos sobre a difusão de informação relativa à distribuição de fundos comunitários.

"Obviamente, essa informação deveria continuar a vir nos jornais regionais, que têm um papel insubstituível. Aliás, se um dos grandes objectivos [dos fundos] é promover mais inclusão dos infoexcluídos, é porque se está a assumir precisamente que o país ainda tem muitos excluídos", comenta, em declarações ao PÚBLICO.

O Governo sustenta, em resposta ao PÚBLICO, que o modelo de publicitação do PT 2020 tinha um problema de base, que era a falta de "uniformização". "No PT 2020, a publicidade era promovida por cada uma das Autoridades de Gestão, inexistindo uma uniformização de procedimentos e dispersão da informação que se procurou obviar no novo modelo de governação do PT 2030", afirma o gabinete da ministra que tutela os fundos europeus, Mariana Vieira da Silva.

Em resposta enviada por escrito, o Ministério da Presidência deixa subentendido que vê vantagens em concentrar a responsabilidade da publicitação nos portais geridos ou alimentados pela entidade que já coordena os fundos europeus, a Agência para o Desenvolvimento e Coesão (AD&C), e das autoridades de gestão que – sublinha o ministério – podem "continuar a publicitar através de outras formas, designadamente jornais nacionais ou regionais/locais".

João Palmeiro, presidente da Associação Portuguesa de Imprensa (API), que representa cerca de 800 órgãos de comunicação social de todo o país, não acredita que isso aconteça. "A obrigação que estava na lei do PT 2020 já não era cumprida", exclama, em declarações ao PÚBLICO.

A obrigação de divulgar nos jornais locais os apoios concedidos foi negociada pela API com o Governo PSD/CDS-PP, que foi quem lançou o PT 2020. Era uma forma de "garantir que a informação de interesse público chegava às pessoas directamente interessadas" e, por outro lado, constituía uma fonte de receita da imprensa, reconhece Palmeiro.

Porém, "não se cumpriu nada daquilo que foi combinado", lamenta o mesmo dirigente. "Havia três obrigações: publicar os anúncios dos concursos, os resultados dos concursos e os resultados dos projectos. Nada disto aconteceu, nos termos em que era suposto. Além disso, previa-se a criação de uma comissão de acompanhamento, que nunca foi formada, nunca trabalhou."

Nalguns casos, os anúncios publicados eram simplesmente ilegíveis, porque se metia informação de dezenas de candidaturas num quarto de página de jornal. "Não se compreende", frisa Palmeiro, que vê os portais na Internet como "excelentes plataformas", mas que "não cumprem a obrigação de informar o público, o cidadão comum não vai a esses sítios".

Para Paulo Trigo Pereira, ainda não é a altura certa para esta transferência: "Daqui a uns anos, com mais literacia digital, já se poderá justificar, mas hoje ainda não. Com a agravante de, hoje em dia, haver uma grande dispersão de fontes de informação, o que prejudica muito a clareza de informação."

O PT 2030 tem 23 mil milhões de euros em fundos comunitários para Portugal. Vigora até 2027, com mais dois anos de extensão para execução. Os fundos europeus são tema do Conselho de Estado que se reúne hoje, em Belém, por ordem do Presidente da República, que convidou a comissária europeia Elisa Ferreira, responsável pela pasta da Coesão.

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