Crise Climática: primeiros casos chegam esta quarta-feira ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos

Tribunal Europeu de Direitos Humanos analisa esta semana pela primeira vez casos que acusam governos de inacção na crise climática. Na Europa, há mais decisões a favor da acção climática.

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Tribunal Europeu dos Direitos Humanos Reuters/VINCENT KESSLER

A litigância climática está a fazer caminho e vai dando resultados. Esta quarta-feira, dois casos sobre questões climáticas serão ouvidos pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH), em decisões que podem fazer história. O processo poderá resultar numa ordem de corte de emissões que pode mesmo ir além dos compromissos do Acordo de Paris de 2015, estabelecendo um precedente importante em termos de litigância climática.

Em ambos os casos, existem queixas de que os governos (neste caso, da Suíça e de França) não estão a agir o suficiente no que toca ao combate às alterações climáticas, violando o direito à protecção efectiva da vida e ao respeito pela vida privada e familiar.

No final do Verão será avaliado um terceiro caso, que coloca um conjunto de jovens portugueses e diversas ONG contra 33 países europeus, evocando igualmente a violação do direito à vida e do respeito pela privacidade, mas também a proibição de discriminação - prevista no artigo 14 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos -, uma vez que a inacção dos governos em matéria de acção climática prejudica de forma desproporcional as gerações mais jovens, que vão sentir os impactos no clima durante mais tempo e de forma mais intensa.

Estes casos são pontos importantes de uma onda de litigância estratégica - em que as decisões podem definir jurisprudência na interpretação das leis - que se intensificou nas últimas décadas, de acordo com um relatório do Grantham Research Institute sobre Alterações Climáticas e Ambiente, escrito para a Conferência Anual do Fórum de Juízes da União Europeia para o Ambiente (EUFJE) de 2022.

Este relatório traz uma síntese sobre o actual estado de desenvolvimento dos litígios relacionados com as alterações climáticas na Europa, recolhendo informação de relatórios nacionais fornecidos pelos membros do EUFJE, dos relatórios anuais Global Trends in Climate Litigation publicados pelo Grantham Research Institute, e ainda das bases de dados de litígios sobre alterações climáticas mantidas pelo Sabin Center for Climate Change Law da Universidade de Columbia.

Mudança mais ampla

Estão documentados 285 casos climáticos instaurados até hoje em 20 países da Europa, metade dos quais referentes a processos no Reino Unido, França, Alemanha e Espanha. Os primeiros casos de litígios sobre alterações climáticas na Europa datam do início dos anos 1990. A maioria dos “casos climáticos” europeus foi aberta contra governos (cerca de 75%), com 16% dos processos contra actores privados - uma percentagem que tem vindo a aumentar.

A litigância em matéria climática tanto pode ser usada por aqueles que procuram atrasar a acção climática - como aconteceu na União Europeia depois da aprovação da directiva sobre o Comércio Europeu de Licenças de Emissão, em 2003 - como por quem a quer fazer avançar. Na Europa, até hoje, o equilíbrio tem estado do lado do clima: há mais casos com resultados directos favoráveis à acção climática (113) do que desfavoráveis (86), havendo ainda alguns que foram considerados “neutros”.

Até hoje, a nível europeu, mais de 60 casos já foram apresentados aos Tribunais da União Europeia e pelo menos dez casos estão pendentes no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (onde começaram a chegar apenas em 2020 e apenas este ano terão as primeiras decisões). Na Europa, como no resto do mundo, a litigância estratégica - que permite desencadear mudanças mais amplas - tem sido uma forma de pressionar governos e empresas para políticas mais ambiciosas, criando jurisprudência que tem influência em todo o mundo.

Tendências

Neste momento, estamos no que as investigadoras do Grantham Research Institute chamam de “terceira vaga” de litígios climáticos, em que começam a usar-se argumentos de direitos humanos e direito constitucional. Outra tendência é a propagação da litigância a novas jurisdições e a crescente diversidade de instituições visadas pela litigância.

Além da previsão de aumento dos litígios perante os tribunais regionais (como o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos ou o Tribunal de Justiça da União Europeia) e possivelmente a nível nacional, o relatório do Grantham Research Institute prevê ainda um aumento da litigância relacionada com fenómenos extremos, um aumento dos casos centrados em outros gases com efeito de estufa além do dióxido de carbono e uma maior atenção às florestas e sistemas alimentares.

Desafios

Este percurso nem sempre é simples. Apesar de haver argumentos cada vez mais criativos para reivindicar direitos relacionados com o clima, ainda existem desafios à legitimidade dos processos judiciais (muitas vezes não é claro quem tem o direito legal de iniciar um processo) e à aplicação do efectivo direito a um ambiente saudável e outros princípios do direito ambiental.

O direito humano universal a um ambiente “limpo, saudável e sustentável” foi consagrado pelas Nações Unidas apenas em 2022, mas há vários países pioneiros na inclusão do ambiente no seu catálogo de direitos fundamentais. Um bom exemplo é Portugal, onde o direito a um ambiente saudável é protegido pela Constituição.

Em muitos países, os litígios climáticos surgem maioritariamente por via dos tribunais administrativos, mas também os tribunais penais podem analisar estes casos. Mas, para isso, é preciso que cidadãos, advogados e magistrados conheçam a lei. O relatório observa que, em Portugal, “tanto os queixosos como os juízes não estão suficientemente conscientes e preparados” para pôr em vigor o direito fundamental à saúde e a um “ambiente de vida humano saudável e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender”, conforme o Artigo 66.º da CRP.

Especialização e formação

Os autores do relatório português, por exemplo, comentam que, dados os recursos limitados dos tribunais, “é essencial criar estruturas de apoio e aconselhamento técnico nos tribunais administrativos”, incluindo peritos independentes suficientemente qualificados para ajudar a analisar estas questões complexas. O relatório do Grantham Research Institute refere ainda a importância de uma maior especialização e formação de magistrados e juristas em relação às alterações climáticas e à litigância climática e ambiental.

Alguns relatórios sublinham a necessidade do desenvolvimento de tribunais ambientais especializados em jurisdições onde estes ainda não existem - que é, aliás, uma recomendação deixada pelo Relator Especial das Nações Unidas sobre direitos humanos e ambiente no relatório da sua visita a Portugal, no final de 2022.