Cientistas encontraram tubarão raro — mas afinal pode ser só um brinquedo

Um grupo de cientistas publicou o que achava ser uma fotografia do primeiro avistamento de um tubarão-duende no Mediterrâneo. Agora o artigo foi retirado de publicação porque havia “muita incerteza”.

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Comparação entre o tubarão encontrado na Grécia (A) e uma fémea encontrada no Japão (B) WhySharksMatter/Twitter

Em Agosto de 2020, um homem encontrou um tubarão-duende numa praia grega, o primeiro a ser visto no Mar Mediterrâneo. Um grupo de cientistas publicou-a, dois anos depois, na revista Mediterranean Marine Science – mas afinal, podia ser só um brinquedo. O artigo científico foi contestado dentro da comunidade científica e acabou por ser retirado de publicação porque, segundo os próprios autores, havia “muita incerteza”.

Quando Gianis Papadakis encontrou um animal diferente de tudo o que tinha visto, não podia imaginar a polémica que ia gerar na comunidade científica. Pegou nele, pousou-o sobre as rochas mais próximas e fotografou-o. A imagem acabou nas mãos de três cientistas (Athanasios Anastasiadis​, Evangelos Papadimitriou e Frithjof Kupper), que a acharam digna de publicação, juntamente com registos de outras espécies avistadas pela primeira vez no Mar Mediterrâneo.

Os tubarões-duende (Mitsukurina owstoni) são animais misteriosos, sabe-se muito pouco sobre eles e é muito raro avistar um. Vivem em águas profundas e têm mandíbulas estranhas, que projectam para capturar as presas.

O artigo tinha tudo para ser um sucesso dentro da comunidade científica, que ficaria um passo mais próxima de conhecer estes animais. Mas durou pouco. Num grupo de Facebook, vários especialistas começaram a expressar dúvidas sobre a autenticidade daquele tubarão-duende. David Ebert, autor do livro Sharks of the World (Tubarões do Mundo), duvidou do que estava a ver: “Não parecia bem”, disse. “É demasiado pequeno e as guelras não parecem abertas”, notou, “não parece, de todo, natural”.

O cepticismo continuou a aumentar. A descoberta era baseada numa fotografia e o animal não tinha sido examinado, Gianis Papadakis foi o único a vê-lo. Em Novembro de 2022, um grupo de investigadores publicou um artigo no qual discorria sobre os motivos das dúvidas relativas ao achado. Faltavam-lhe os dentes característicos, as barbatanas eram demasiado arredondadas e o número de fendas branquiais era muito baixo, nada parecia “natural”.

De “pouco natural” passou a “possível brinquedo”. Foi partilhada uma fotografia de um tubarão de plástico da marca italiana DeAgostini. Os especialistas, já críticos da descoberta de Agosto de 2020, viam a sua hipótese cada vez mais validada. Jürgen Pollerspöck, um dos autores do artigo de resposta que apresentava dúvidas sobre a veracidade do tubarão grego, disse que o brinquedo mostrava grandes semelhanças ao suposto animal fotografado sobre as rochas de uma praia na Grécia.

Os autores do artigo inicial ainda insistiram. Responderam aos críticos, mas mudaram a narrativa. Afinal, o tubarão que tinham dito ter cerca de 30 polegadas (o equivalente a 76 centímetros), podia ter sete polegadas (o equivalente a 17 centímetros) e ser um embrião. Pollerspöck foi rápido a responder: “Embriões desse tamanho não são viáveis.” E reiterou que até podem existir tubarões-duende no Mar Mediterrâneo, mas nunca nenhum foi encontrado.

Depois de admitirem que havia “demasiada incerteza” associada a esta descoberta, os cientistas retiraram de publicação o artigo inicial e a reposta à crítica. Contactado pelo jornal New York Times, um dos autores recusou-se a responder a mais perguntas.

Esta polémica abriu uma discussão mais ampla. Os críticos garantem que este não é um caso único, e alertam para a imperfeição do processo de revisão científica. A aparência do tubarão não era o único motivo que devia suscitar dúvidas. Por ser uma fotografia de um cidadão sem qualquer formação na área, a publicação devia ter sido submetida a mais escrutínio, defendem.

Para Jürgen Pollerspöck, a responsabilidade deve recair sobre o editor e os revisores da revista Mediterranean Marine Science. Relembrou que o autor principal do artigo, Athanasios Anastasiadis, era um aluno e está "convencido que foi um acidente".

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