As árvores acendem lâmpadas? Sim, queimando-as nas celuloses!
Um recente relatório, tornado público em português e inglês no Dia Internacional da Floresta, aponta os impactos da queima de biomassa florestal para a produção de electricidade, em particular quando essa queima ocorre nas fábricas da indústria de celulose e papel.
De acordo com o relatório, produzido pela Biofuelwatch, organização não governamental com actividade no Reino Unido e nos EUA, e que contou com os apoios da Environmental Paper Network, da Quercus, Associação Nacional da Conservação da Natureza, da Iris, Associação Nacional de Ambiente, e da Acréscimo, Associação de Promoção ao Investimento Florestal, o sector das celuloses tem vindo a realizar pesados investimentos na produção de electricidade a partir da queima de biomassa florestal, originando lucros recorde na produção de quase 80% da electricidade gerada dessa queima e pelo controlo de mais de metade da capacidade instalada em centrais a biomassa só para geração de electricidade.
Os investimentos mais significativos são a central termoeléctrica a biomassa de 34,5MW da Altri-Greenvolt na Figueira da Foz, e a caldeira de biomassa vizinha da Navigator, que substituiu uma central de cogeração (produção combinada de calor e electricidade) a gás fóssil. Ambas dependem de grandes volumes de biomassa lenhosa e foram financiadas como desenvolvimentos “verdes”.
O sector da celulose afirma que a queima de biomassa lenhosa ajuda-o a cumprir os seus objectivos climáticos e a reduzir o risco de incêndios florestais. Contudo, a electricidade produzida a partir da queima de biomassa florestal resulta frequentemente em maiores emissões de gases de efeito estufa e de poluição do que os equivalentes da queima de combustíveis fósseis.
Por outro lado, nos últimos anos, a tendência de área ardida em incêndios rurais só aumentou, particularmente nas áreas de povoamentos florestais e à medida que a capacidade eléctrica a partir da queima de biomassa cresceu. Com efeito, para a “bioenergia”, a madeira ardida apresenta duas vantagens significativas: por um lado, o preço pago à produção sofre um brutal decréscimo; por outro, o teor de humidade dos ardidos baixa substancialmente, favorecendo a sua queima posterior para energia.
No total, seis centrais termoeléctricas a biomassa dedicada e cinco centrais de cogeração associadas à indústria de celulose, de acordo com o relatório, queimam cerca de 2,8 milhões de toneladas de biomassa lenhosa por ano, mais do que qualquer outro sector. Quase dois terços deste valor provêm directamente da queima de sobrantes das operações de exploração florestal. As empresas de pasta e papel afirmam que apenas os “resíduos” florestais e subprodutos industriais são queimados nas suas centrais eléctricas, mas muito mais biomassa lenhosa é queimada ou usada anualmente pelas indústrias de energia a biomassa e de produção de pellets de madeira do que poderia estar disponível como genuína biomassa residual, tal como definida na legislação portuguesa.
Já antes destes recentes investimentos, um outro relatório, produzido em 2013 por um grupo de trabalho criado no seio da Assembleia da República, manifestava preocupação face à capacidade industrial então instalada para a queima de biomassa florestal e produção de pellets de madeira, tendo em conta o estimado para a disponibilidade anual de biomassa florestal residual, a decorrente das operações de silvicultura, incluindo limpezas, desramações, podas e desbaste, e de exploração florestal, no caso, as bicadas e ramos resultantes do abate de arvoredo.
A extracção excessiva de biomassa em espaços florestais tem impacto na redução do coberto arbóreo, contribui para o empobrecimento dos solos, designadamente em teor de matéria orgânica, provoca a decorrente perda de biodiversidade e aumenta o risco de avanço de processo de desertificação e de despovoamento.
As centrais de queima de biomassa precisam de muito mais madeira do que é produzida como sobrantes florestais e resíduos industriais pela indústria, exigindo que grandes quantidades de troncos de árvores tenham de ser adicionados à procura pelas unidades de “bioenergia”. A existência de generosos subsídios serve de base a uma nova área de negócio para as empresas de celulose.
O relatório publicado a 21 de Março mostra como as celuloses estão a queimar mais madeira para produzir energia do que qualquer outro sector em Portugal. Em 2021, o sector queimou quase 3 milhões de toneladas de biomassa. Daqui resulta a necessidade de instalar plantações para fins energéticos, mesmo com eucalipto, embora não com as densidades de 1000 a 1200 plantas por hectare, mas na ordem das 3000 a 5000. Qual a vantagem acessória? Resistem melhor a ciclos entre incêndios, cada vez mais curtos. Todavia, ardem com muito maior risco em fogo de copas.
A existência de generosos subsídios, criados no seio da União Europeia, designadamente do PRR, serve de base a uma nova área de negócio para as empresas de celulose. Só o forte apoio público suporta a destruição de ecossistemas e taxas de eficiência miseráveis na queima de material lenhoso para a produção de electricidade, como a de cerca de 22% registada na central termoeléctrica Figueira da Foz II, na fábrica de celulose Celbi, operada pela Greenvolt, uma subsidiária da Altri, unidade totalmente dependente da queima de biomassa florestal.