Um grupo de pescadores de lagostas vai a tribunal na esperança de resolver uma questão que, segundo eles, pôs em perigo o seu mercado americano: a difamação da lagosta.
Meses depois de um aquário e um grupo de conservação da Califórnia terem feito uma recomendação aos consumidores de marisco para evitarem comprar e comer lagosta americana, grupos da indústria do Maine estão a argumentar que a lagosta, que é maioritariamente colhida naquele estado, não deveria ter sido boicotada.
Uma coligação de organizações, incluindo a Maine Lobstermen's Association e a Maine Coast Fishermen's Association, apresentou esta semana o processo por difamação contra a Monterey Bay Aquarium Foundation, depois de ter colocado a lagosta americana, uma espécie encontrada na costa atlântica que constitui a maior parte do mercado norte-americano, na sua "lista vermelha" de marisco para os consumidores evitarem em Setembro.
A Seafood Watch, o grupo de conservação gerido pelo aquário, fez este apelo por causa da ameaça às baleias-francas, que enfrentam o risco de emaranhamento nas artes de pesca usadas para colher lagosta. Estima-se que restem apenas 340 baleias-francas no Atlântico Norte.
No processo, os grupos alegam que retratar a indústria de lagosta do Maine como uma ameaça às baleias é falso e difamatório. A distinção na "lista vermelha" fez com que lojas como a Whole Foods e restaurantes como o Cheesecake Factory deixassem de vender lagosta capturada no Maine, diz o processo.
Além do título na "lista vermelha" do aquário, o Marine Stewardship Council, uma importante organização ligada aos frutos do mar, também suspendeu a certificação de sustentabilidade da indústria de lagosta do Maine devido à preocupação com as baleias.
Queixa também reclama indemnização
A queixa de 37 páginas apresentada no Tribunal Distrital dos EUA no Maine pede que o aquário remova "todas as declarações difamatórias sobre a indústria de lagosta do Maine e suas práticas de pesca", bem como uma indemnização (não especificada) cobrindo "o valor de todos os negócios que os queixosos perderam ou perderão no futuro".
"Este é um processo importante que ajudará a combater os danos causados por pessoas que não fazem ideia dos cuidados tomados pelos pescadores de lagostas para proteger o ecossistema e o oceano", disse John Petersdorf, CEO da Bean Maine Lobster Inc., um dos queixosos no processo, citado num comunicado. "Os lagosteiros são administradores muito responsáveis do oceano. Não podemos admitir e deixar prevalecer mentiras que digam o contrário."
Kevin Lipson, advogado que representa os queixosos, disse ao The Washington Post que a lagosta "define essencialmente o estado do Maine", e no processo argumenta-se que é a má ciência que sustenta esta recente classificação na "lista vermelha".
"O impacto disso não só altera as consequências económicas para os lagosteiros e suas comunidades, como tem um efeito devastador para o estado do Maine", disse Lipson. "Esta é uma tradição existente no Maine há gerações, pela qual vale a pena lutar."
A ameaça e as alternativas
Um porta-voz da Monterey Bay Aquarium Foundation rejeitou o processo e as alegações feitas pelas organizações de lagostas num comunicado ao The Post.
"Esses processos sem mérito ignoram as claras provas de que essas pescarias representam um sério risco para a sobrevivência da baleia-franca do Atlântico Norte, ameaçada de extinção, e procuram restringir os direitos da Primeira Emenda de uma instituição acarinhada que educa o público sobre a importância de um oceano saudável", disse o grupo.
A lagosta é uma atracção do Maine há décadas. O estado é o lar da maior parte da oferta do país destes crustáceos. Em 2022, cerca de 44 milhões de quilos de lagosta foram trazidos para as docas dos EUA, o que representa uma queda em relação aos mais de 90 milhões de quilos em 2021, mas ainda assim um alto valor histórico. Os cerca de 44 milhões de quilos valem cerca de 361 milhões de euros.
A indústria de lagosta do Maine enfrentou problemas nos meses que se seguiram ao conselho do aquário da Califórnia para não se comprar ou comer lagosta americana capturada nos Estados Unidos ou no Canadá, rotulando-a com a palavra "Evitar".
"São sobrepescadas, precisam de uma gestão forte e, muitas vezes, são capturadas ou criadas de formas que prejudicam a outra vida marinha ou o ambiente", explica a Seafood Watch no seu site. Em vez disso, o aquário recomenda que os consumidores encontrem alternativas, como lagosta espinhosa capturada na Califórnia, lagosta espinhosa caribenha capturada na Florida, lagosta espinhosa caribenha capturada por mergulhadores nas águas de Quintana Roo do Sul do México e lagosta norueguesa capturada com armadilhas no Reino Unido ou redes de arrasto pelo fundo do mar na França.
Há ou não há provas?
As baleias-francas, que pesam até 63.000 quilos e são encontradas na Nova Inglaterra e noutras regiões do Atlântico, enfrentam várias ameaças, incluindo colisões com barcos e um oceano aquecido. Mas os emaranhamentos nas artes de pesca continuam a ser uma das principais causas de morte, de acordo com o Serviço Nacional de Pesca Marítima. Um juiz federal também decidiu em Julho que o Governo dos EUA não fez o suficiente para proteger as baleias de danos ou morte por emaranhamentos.
A classificação da Seafood Watch e a suspensão do Marine Stewardship Council desencadearam uma enxurrada de cartas e levaram a nova legislação no ano passado da delegação do Congresso do Maine defendendo a famosa pescaria.
Os legisladores democratas e republicanos do estado insistiram que não há provas de que a pesca da lagosta esteja a levar as baleias-francas à extinção.
"Num tribunal, para um caso criminal, é preciso uma conclusão além de uma dúvida razoável", disse o senador Angus King, um independente que representa os democratas, ao The Washington Post em Dezembro. "Num processo cível, é uma preponderância da prova. Neste caso, não há provas. São suposições. E é isso que realmente me incomoda."
Os lagosteiros do Maine também recusam aceitar que comer marisco é prejudicial para as baleias, argumentando que não existem dados que mostrem que as redes de lagosta do Maine prejudicaram ou mataram uma baleia-franca por emaranhamento em quase duas décadas. A última baleia conhecida a se envolver em redes de lagosta do Maine foi em 2004.
Entre eles está Gerry Cushman, um queixoso no processo contra o aquário que se descreveu como um lagosteiro de sexta geração. "Tal como os meus companheiros, continuarei a fazer tudo o que estiver ao meu alcance para proteger o oceano e a sua vida selvagem, tal como os meus antepassados fizeram", disse Cushman num comunicado. "A nossa prática é uma tradição que define o que é Maine. A enxurrada de mentiras sobre as práticas de pesca do Maine deve ser confrontada e derrotada pela verdade."