Que compromissos assumiu Portugal na Conferência da Água da ONU?

Governo lançou Coligação Global para Melhores Políticas e Regulação dos Serviços de Água e Saneamento. Cooperação é um dos pontos frágeis para garantir direito à água e saneamento no mundo.

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Observatorio da Paisagem da Charneca, na Chamusca Nuno Ferreira Santos

Palavras leva-as o vento, já se sabe, e por isso o que se pediu aos participantes na Conferência da Água das Nações Unidas foi mais acção. Da Agenda de Acção para a Água, o principal documento que resultou deste encontro, constam agora mais de 700 compromissos voluntários de países, empresas e organizações não-governamentais para fazer avançar o acesso à água potável e ao saneamento, direitos reconhecidos há relativamente pouco tempo (a nível das Nações Unidas, apenas em 2010) e ainda muito longe de serem uma realidade universal.

Portugal também se fez representar na conferência, com a intervenção do ministro Duarte Cordeiro na sessão plenária e a participação do secretário de Estado do Ambiente, Hugo Pires, no diálogo interactivo que esteve no cerne do programa.

Um dos compromissos concretos assumidos por Portugal na Agenda da Água foi apostar na Coligação Global para Melhores Políticas e Regulação dos Serviços de Água e Saneamento, uma plataforma de cooperação internacional à qual todos os países foram convidados a aderir, “destinada a impulsionar a melhoria das políticas públicas e a regulação dos serviços de água e saneamento no mundo”, de acordo com o Ministério do Ambiente e da Acção Climática.

Em resposta ao PÚBLICO, o gabinete do MAAC explica que este foi um dos compromissos concretos que Portugal levou à Conferência da Água, “colocando a regulação como um pilar central da agenda global da água”.

Esta coligação é liderada pelo Lis-Water - Lisbon International Center for Water, um centro internacional sem fins lucrativos sobre políticas e gestão da água. No plano de trabalhos estão a criação de um Observatório Internacional de Regulação dos Serviços de Água e Saneamento, a criação da plataforma Watergov (para acompanhar e comparar a evolução da regulação sobre água no mundo), a “elaboração periódica de relatórios” e ainda, descreve o MAAC, a criação de “ferramentas práticas para apoiar os reguladores” de diferentes países.

“Esta iniciativa é um compromisso voluntário, tendo como objectivo acelerar a aplicação do ODS 6 e outros objectivos relacionados com água”, destacou o secretário de Estado do Ambiente, Hugo Pires, durante a conferência. “A cooperação através de multilateralismo eficaz continua a ser a melhor forma de enfrentar os desafios globais de hoje e amanhã.”

Neste momento, a iniciativa portuguesa conta com a parceria de 42 reguladores de serviços de água e saneamento em 19 países da América Latina e Caraíbas, além de Portugal. Estão ainda envolvidas nesta parceria, segundo o MAAC, várias entidades internacionais, como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) e a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Trabalho de casa

Parte do “TPC” de Portugal já estava preparado desde o ano passado, aquando da organização da Conferência dos Oceanos, que teve lugar em Lisboa. “A importância e o impacto deste caminho para o desenvolvimento sustentável e para a saúde dos oceanos foi tema central no Simpósio de Alto Nível que Portugal organizou durante a Conferência dos Oceanos”, lê-se na resposta do MAAC, acrescentando que entre as conclusões do ano passado estão a urgência de “uma visão holística para a água, unindo as comunidades de água doce e salgada”.

Nos dois grandes indicadores do ODS 6, acesso a água potável e saneamento, Portugal é um dos bons alunos, com uma taxa de cobertura de saneamento “a rondar os 85%” e “níveis máximos de qualidade de água para consumo humano (muito próximos de 100%)”, o que tem reflexo, destaca o ministério, em áreas como a qualidade das águas balneares ou a melhoria das condições de saúde.

Estas conquistas, contudo, não podem ser dadas como garantidas, perante o impacto das alterações climáticas e a pressão que colocam, “de forma directa e muito expressiva”, sobre os recursos hídricos, como se tem sentido com os períodos de seca que têm atingido o país.

“Em Portugal, a resposta a estes desafios passa pela aposta na redução do consumo e no uso eficiente da água, poupando-a e preservando-a nas suas fontes”, refere o MAAC em resposta ao PÚBLICO, ecoando as palavras do ministro Duarte Cordeiro perante a Plenária da Conferência da Água. No plano internacional, o Governo considera que é preciso mais cooperação internacional, assim como uma “melhoria da coordenação e da coerência do trabalho no seio das Nações Unidas em matéria de água, em especial pela instituição do Enviado Especial para a Água”.

Estes foram alguns pontos em agenda nas reuniões que o Ministro do Ambiente e da Acção Climática, Duarte Cordeiro, teve à margem da conferência, com os seus homólogos da Ucrânia, da Tunísia e de Cabo Verde, assim como com a secretária executiva da Comissão Económica das Nações Unidas para a Europa (UNECE).

“A água não tem uma casa na ONU”

Não tendo sido deliberado um acordo a partir desta Conferência da Água, como os que existem para a biodiversidade (protocolo de Montreal) ou para o clima (acordo de Paris), a modalidade de resoluções acordada para esta conferência foi o conjunto de compromissos voluntários. Poderão estes compromissos da Agenda para a Água resolver a crise hídrica que o mundo enfrenta?

Henk Ovink, enviado especial dos Países Baixos para assuntos hídricos internacionais, recorda um problema essencial: “A água não tem uma casa aqui nas Nações Unidas”. Isto significa que, sem uma convenção ou um tratado - que geram os devidos mecanismos de acompanhamento -, faltam meios para um trabalho orientado para resultados. Uma das esperanças desta conferência era a criação do cargo de Enviado Especial da ONU para a Água - um apelo repetido dezenas de vezes ao qual o secretário-geral das Nações Unidas já respondeu que está “sob consideração”.

Sobre as conclusões da Conferência da Água, Ovink reconhece que “não é suficiente ter apenas compromissos voluntários. Temos que estruturá-los de forma a podermos validar, avaliar e procurar oportunidades para replicá-los em escala”, afirmou, em conferência de imprensa.

“Depois da conferência, o mundo precisa de continuar a trabalhar duro para acertar nesta questão da água”, sublinhou o enviado especial neerlandês, apelando a que seja feito um acompanhamento destes compromissos em outros fóruns, como a COP28, em Novembro. “As alterações climáticas atingem-nos mais duramente através da água”, recordou, referindo-se a fenómenos de secas e cheias, que estão a tornar-se mais frequentes e intensas. “A mitigação e a adaptação só podem ser feitas se encararmos a água da forma certa”, salientou, lamentando que apenas no ano passado, na COP27, no Egipto, a água tenha sido especificamente incluída nas negociações.