Gilles Lipovetsky: “A luta climática vem preencher o vazio das grandes ideologias”
Autor de A Era do Vazio, Gilles Lipovetsky diz que o individualismo e o hiperconsumo continuam a dar as cartas. E que a solução climática não passa pela frugalidade, mas sim pela ciência.
O livro A Era do Vazio (1983) catapultou o filósofo francês Gilles Lipovetsky para o estrelato cultural. A obra ajudou-nos a compreender os perigos, as contradições e até as virtudes do individualismo contemporâneo. Quatro décadas depois, o teórico da hipermodernidade falou com o Azul, numa videochamada, sobre o hiperconsumo, o hedonismo e a crise climática.
O livro mais recente do autor, A Sagração da Autenticidade (Edições 70, 2022), procura esboçar o retrato do novo Homo authenticus, ou seja, desta nova fase de modernidade que se caracteriza, entre outras coisas, pela oferta de produtos que prometem a ideia de transparência e ética. Os consumidores anseiam por objectos, marcas e práticas que ostentem o estandarte do “verdadeiro” e “natural”, como os alimentos biológicos ou os móveis de madeira com o selo “livre de desflorestação”.
Aos 78 anos, Lipovetsky é céptico em relação às maravilhas desta conversão à “vida autêntica”. Para o filósofo, mudanças de comportamento não têm o condão de resolver a crise climática. E diz que é um erro culpabilizar o consumidor. “As paixões individualistas são mais fortes do que o futuro planetário”, refere o autor, que não acredita “de modo algum” na “conversão da população mundial à frugalidade”.
A solução para a crise climática, que o filósofo julga ser “o grande desafio do século”, passaria então pela inovação e pela tecnociência, sob o olhar regulador do Estado e com a participação de diferentes actores sociais.
Gilles Lipovetsky tem agendada uma conferência em Lisboa, intitulada A Nova Era da Autenticidade, no próximo dia 29 de Março, quarta-feira, às 18h30, na Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa.
Publicou A Era do Vazio há 40 anos, antes da Internet e da omnipresença dos telemóveis. O texto continua útil para a compreensão do individualismo contemporâneo e do hiperconsumismo que está no coração da crise climática. Surpreende-o que o livro tenha envelhecido tão bem?
Sim e não. Em A Era do Vazio, eu apontava para o advento de um novo individualismo provocado pela sociedade de consumo. Havia a ideia de que o consumismo estaria na origem da padronização, da replicação de comportamentos. Mas a originalidade do livro foi mostrar que não existia apenas essa massificação. De certa forma, houve o contrário. Os consumidores gozavam de mais autonomia — daí estarem obcecados com compras, viagens e experiências diferentes — e, ao mesmo tempo, mostravam maior liberdade nos comportamentos.
Nessa época, nos anos 80, a crise ambiental já existia, mas na cabeça das pessoas ainda não estava muito clara. Tivemos de esperar pelos anos 2000 para esta tomada de consciência, com o crescimento da população global. É claro que o hiperconsumo alimenta essa mesma crise; o problema é saber até que ponto podemos travar ou atenuar este aspecto. E, neste ponto, acho que é preciso ir com calma. É preciso compreender que o hiperconsumo não pára de crescer e de se transformar. Não havia naquela época smartphones, existiam pouquíssimos computadores, mas já abundavam supermercados, férias e aparelhos de música. Já havia este, este…
… este desejo pelo novo? Pelo prazer constante?
Voilà! Este desejo já estava presente — e isso só se agravou, desenvolveu-se. Em A Era do Vazio eu falava de um narcisismo, de um hiperinvestimento no espaço privado, que evoluiu de certa maneira como um narcisismo digital através do Facebook e das redes sociais nas quais as pessoas encenam as próprias vidas e tiram selfies. Todos estes aspectos constituem um prolongamento daquilo a que chamei “segunda revolução individualista”, que remonta aos anos 1980. É isto, e aqui estamos nós agora. Esta segunda revolução individualista leva-nos necessariamente contra um muro, em direcção ao abismo? Ou ainda podemos esperar saídas? Creio que é sobre isso que vamos falar [nesta entrevista].
No seu livro mais recente, A Sagração da Autenticidade (Edições 70, 2022), fala de como os consumidores procuram algo “verdadeiro” ao comprar produtos biológicos, locais, artesanais e justos. A crise ecológica também está inscrita numa cultura da autenticidade?
Sim. A cultura da autenticidade nasceu no século XVIII, mas tocava apenas em grandes questões da existência, compromissos importantes da vida (vida moral, luta pela liberdade, criação artística, relação com a morte), e assim por diante. Hoje, esta cultura evoluiu para uma procura de si mesmo, a escolha do próprio caminho. Be yourself, sê tu próprio — esta é a cultura da autenticidade. Repare que não é como na contracultura, no movimento hippie ou no Maio de 1968 — não há aqui recusa do consumo.
O princípio do be yourself é hoje um consumo escolhido, um consumo ecológico que me permite, como dizem os anglo-saxões, uma tomada de poder sobre as condições da minha existência. Eu tomo a decisão de escolher tal produto, não me submeto ao hype do marketing. Estes comportamentos, este gosto por produtos biológicos ou locais, fazem parte de uma dinâmica individualista. As pessoas que defendem este consumo ecológico referem que não são individualistas. Dizem que é pelo planeta.
Quando mudamos comportamentos alimentares, alteramos aquilo que ingerimos, mudamos a imagem que temos e queremos transmitir de nós próprios. Estas opções do Homo authenticus são para proteger o planeta ou o nosso próprio corpo?
Há, sem dúvida, uma mistura das duas coisas.
É sempre uma coabitação de contrários?
Sim, sim, mas neste caso converge para a mesma coisa. E depende do perfil dos consumidores de produtos biológicos. Mas, de qualquer forma, é uma mistura. Contudo, entre os militantes comprometidos, a aquisição de alimentos e bens de consumo torna-se um acto político. Há um sentido de protecção do ambiente contra o capitalismo predatório. Mas, também nesse caso, há uma expressão individualista – é a busca por dar um sentido à minha vida. Bato-me pela causa que eu escolhi, mas que, ao mesmo tempo, dota a minha vida de maior significado. Mas há outros perfis.
Esta busca por um sentido continua a ser uma estratégia para colmatar o vazio?
Sim, a luta ecológica vem preencher o vazio das grandes ideologias de outrora. Antes, os militantes lutavam pelo comunismo, pela revolução, pelo socialismo, pelo fascismo ou pelo nacionalismo. Hoje, as grandes causas colectivas perderam peso. As formas de luta debruçam-se agora sobre coisas novas como a protecção do planeta. Há todo um conjunto de movimentos apaixonados: aqueles que lutam contra as barragens, contra a expansão de aeroportos, aqueles que destroem zonas de cultivo de organismos geneticamente modificados… Há os activistas ambientais de linha dura cujas acções, não sendo exactamente violentas, podem ser musculadas. Mas repare que este perfil não condiz com todos os tipos de consumidores que compram produtos biológicos.
Pode a luta climática relançar um novo projecto colectivo de modernidade?
A crise económica não é favorável ao compromisso ambiental. Até existe um slogan repetido pelas classes agora mais penalizadas que diz: “Não estamos preocupados com o fim do mundo, estamos preocupados com o fim do mês.” A crise económica e energética, combinadas com a guerra na Ucrânia e o custo das matérias-primas, não ajuda o projecto ecologista. À excepção da Alemanha, não há partidos ecologistas em Governos de países desenvolvidos.
Penso que hoje os cidadãos estão conscientes dos desafios ambientais, mas as paixões do presente são talvez mais fortes do que as dificuldades do futuro. Repare nos fracassos que têm lugar em grandes encontros internacionais, como a Cimeira do Clima. Os governos tomam medidas, mas os ecologistas dizem que é insuficiente, e algumas organizações também. Os resultados que temos [no que toca à redução de emissões de gases de efeito de estufa] não estão à altura do Acordo de Paris. Se continuarmos assim, o aquecimento global ultrapassará os 1,5 graus Celsius. Os governos democráticos sabem quais são as consequências. Mas a gestão do presente — ou o “presentismo”, como se diz agora — é muito mais forte do que a preocupação com o futuro.
O que importa é sobreviver politicamente?
É preciso sobreviver e não incomodar muito o eleitorado. Veja o movimento dos coletes amarelos em França há uns anos, que era contra o aumento do imposto sobre os combustíveis, e, em princípio, motivado por razões ecológicas. O preço do combustível estava alto e, durante vários meses, a França foi perturbada por esse movimento. Do mesmo modo, estamos agora numa situação interessante: ninguém discorda que estamos a atravessar uma verdadeira crise climática, com consequências talvez absolutamente terríveis, mas as paixões individualistas são mais fortes do que o futuro planetário.
Quer isto dizer que não há preocupação com o planeta? Existe, há muitas medidas em prática e muitos consumidores a comprar produtos locais. Mas não acredito que a ecologia seja hoje suficiente para fundamentar um programa político. A sociedade é complexa; existem outras dimensões na vida social para além da ecologia — aquilo que é desejável é existirem mais políticas verdes [em vez de partidos verdes], estratégias e medidas capazes de integrar o paradigma ecológico ao longo de todo o espectro ideológico. A questão ambiental tornou-se demasiadamente importante para pertencer a um só partido.
Voltemos ao consumismo. Há actualmente um discurso ambiental que se opõe ao “consumismo delirante” e nos encoraja a viver de forma simples. Acredita que esta ideia de frugalidade se tornou, ela própria, um produto?
Penso que sim. É tão verdade que até as empresas se apropriam desse discurso. Consuma com moderação, ingira frutas e legumes — é o espírito da época. Resta-nos agora medir as coisas reais. Se digitarmos a palavra “frugalidade” num motor de busca, vamos ficar com a impressão de que todos os consumidores se tornaram pessoas frugais, moderadas e razoáveis. É errado. Os restaurantes de fast food estão cheios de gente; continuamos a comer hambúrgueres no Burger King e no McDonald’s.
A frugalidade também é sobre não desperdiçar, mudar comportamentos. E nisso a inflação vai ajudar. Todos vão ficar mais atentos porque gastar mais água no banho tem um preço. Mas tenho dúvidas de que muitas pessoas deixem de usar o carro, viajar de avião ou comer coisas que lhes dão prazer. Ou que a venda de roupas em segunda mão seja capaz de destruir a fast fashion. Não acredito, de modo algum, na conversão da população mundial à frugalidade.
Resumiu isso mesmo num dos capítulos: “A menos que se verifique uma catástrofe planetária, o reinado da autenticidade frugal não é para amanhã.” Contudo, escreveu o livro antes da eclosão da guerra na Ucrânia, que reacendeu o fantasma do nuclear. O que muda na cultura da autenticidade em tempos de conflito?
Nós não estamos em tempo de guerra. Estamos num momento em que a guerra reapareceu nas nossas fronteiras, são coisas bem diferentes. Se isto muda fundamentalmente a cultura de autenticidade? Para já, não. Esta cultura é o direito de cada um gerir livremente a própria vida. Não vejo onde é que a guerra possa ter mudado isso. O que a guerra mudou foi a forma como nós organizamos o nosso orçamento. Aí, sim, há um impacte directo. O facto de haver uma restrição exterior não significa que o ideal mudou.
Se temos menos dinheiro, temos forçosamente de reduzir as nossas experiências de prazer. Há desejos hedonistas que não podem ser concretizados...
Sim, concordo plenamente. Mas a cultura de autenticidade é, antes de tudo, sobre aspirações e direitos reconhecidos de as pessoas organizarem a própria vida. Isto não muda. Não é porque temos uma guerra na Ucrânia que deixamos de ter os filhos que desejamos, de mudar de cidade, de abortar e divorciar-se aos 70 anos. Nisto a cultura da autenticidade não muda. No consumo, sim [há uma mudança]. Mas o que está a mudar os comportamentos é mais a inflação do que a guerra na Ucrânia.
Depreende-se do seu livro que a mudança de comportamento não é a melhor resposta para a crise climática. É uma perda de tempo querer que as sociedades parem de produzir e consumir?
Sim. E, mesmo que as pessoas o fizessem, não seria suficiente. É muito importante frisar isto porque há um tipo de discurso que faz com coloquemos toda a responsabilidade nos consumidores, ou nos cidadãos.
Faz sentido se pensarmos que é uma exaltação do indivíduo...
Sim, mas temos de ser lúcidos. Imagine que todos os europeus se tornam espartanos. Deixam de usar o carro, aquecem a casa a 17 graus Celsius, prescindem do avião, abdicam das roupas da Zara e da H&M. Conseguimos reduzir as emissões em, digamos, 20%? Não nos podemos esquecer que antes do consumo há a produção. É um velho preceito marxista, embora eu não seja marxista. Temos de mudar os métodos de produção, avançar para uma economia circular, para a reciclagem de materiais. Precisamos, sobretudo, de energias renováveis, e para isso necessitamos de inovação e investigadores. Aqui é necessário o envolvimento das empresas e do Estado.
Tudo agora parece convergir para a culpabilização do consumidor. Há um grande risco nisso. Primeiro, porque não seria suficiente, mesmo que todos os consumidores passassem a ser virtuosos e responsáveis. Precisamos de mudar o modo de industrialização, precisamos de novas fontes de energia, precisamos de motores a hidrogénio, carros eléctricos, turbinas eólicas, painéis voltaicos. As tecnologias é que são a solução — e não apenas os comportamentos. Eu posso tentar comprar menos carne, concordo plenamente — mas a verdade é que, à escala planetária, isto não é quase nada.
Quando diz que a solução para a crise climática reside no domínio da tecnociência, pensa também que…
… esta noção de responsabilidade deve vir dos Estados, que têm de se comprometer, fazer planos, desenhar formas de financiamento. Não é só o mercado. O mercado sozinho não vai lá. É preciso que os Estados estimulem novas tecnologias. É preciso investigação e desenvolvimento dentro das universidades, dos laboratórios, das empresas. E, por fim, também precisamos de consumidores com mais frugalidade. Há aqui várias instâncias, e não apenas uma.
É uma visão muito restritiva e pobre esta de concentrar tudo nos infelizes consumidores, que trazem aos ombros o cataclismo planetário do aquecimento global. Isso não é verdade. Não são apenas os consumidores que têm a chave para resolver este problema, precisamos de todos os intervenientes na vida social. Devemos parar com essa ideologia indutora de culpa. Precisamos de um mercado que ofereça produtos mais ecológicos, temos de encontrar novos meios de transporte, identificar formas mais eficientes de aquecer as casas. Não haverá solução sem inovação. Não acredito em soluções à escala planetária e tenho dúvidas acerca da eficácia desta moralidade [ligada à tentativa de culpabilizar os cidadãos].
Mas as emissões de CO2 são à escala planetária. Não basta baixar as emissões aqui se aumentarmos acolá...
Sim, mas diga isso aos consumidores chineses e africanos. Estamos a falar de quatro mil milhões de indivíduos. Vamos convencê-los a não consumir? A não comer carne? Eles vão desejar estas experiências. Precisamos de outras soluções. A inteligência tecnocientífica deve ser mobilizada. E há aqui um ponto importantíssimo: os dramas das nossas democracias agora são as conspirações do populismo, que demoniza as elites. E a culpa do consumidor anda de mãos dadas com isto, porque recai tudo sobre o consumo, como se a investigação, a ciência e a tecnologia fossem o diabo. Ou seja, é preciso deixar tudo isso de lado, porque o que interessa é frugalidade, frugalidade e frugalidade.
Ora, isto é uma visão puramente ideológica, é uma fantasia, não é verdade. É claro que precisamos de frugalidade e de eficiência energética, mas não haverá uma solução planetária que emirja da mudança de comportamento. Neste domínio, acredito mais na eficácia da tecnociência do que na eficácia da moral. Em breve teremos 9000 milhões de consumidores no planeta. Acreditar que, de uma hora para a outra, eles vão todos ficar moderados e razoáveis… é um filme de Hollywood. Não acredito que a virtude possa mudar o mundo.
Valoriza a tecnociência como uma resposta para a crise climática. Mas quais devem ser os limites? Há abordagens, como a geoengenharia, que têm suscitado críticas...
Tem toda a razão, há soluções que são demiúrgicas.
Como regulamos? Colocamos toda a esperança na tecnociência e depois esperamos pela solução?
Isto é precisamente o que lhe dizia. Existem os consumidores, mas também há o Estado, as empresas e a investigação científica. Há, pelo menos, quatro instâncias. Se deixamos a tecnociência sozinha, podemos ter desastres muito grandes — acredito no controlo. E esse é o papel dos Estados: fazer leis, encorajar a protecção do ambiente e proibir aquilo que é prejudicial e que, na verdade, atenta contra a autenticidade das pessoas. Eu não sou partidário da religião da autenticidade, não acho que seja a solução. Estou próximo de Max Weber nesse ponto: precisamos de uma ética de responsabilidade, saber pesar os prós e os contras. Tudo o que constituir um fetichismo absoluto tem de ser deixado de fora. Mas precisamos de engenheiros e temos de parar de diabolizar a ciência.
Cada vez que colocamos toda a responsabilidade nos consumidores, estamos a dar argumentos para condenar a ciência, dizendo que ela pode trazer horrores. Capturar carbono da atmosfera é horrível, então, pare de comer carne e andar de avião — isto é uma fantasia. No papel, pode até funcionar, mas e na prática? Espinoza já dizia que temos de aceitar os homens como são. Os homens são o que são — têm virtudes e têm fraquezas. Portanto, temos que avançar com isso. A não ser que queiramos ter um Estado totalitário que proíbe o cidadão de conduzir um carro, comer carne e comprar novos produtos. Podemos ter isso, mas ninguém o deseja nas nossas democracias. Ou seja, se não queremos soluções autoritárias, temos de ter soluções inteligentes. E, aqui, a inteligência traduz-se em leis, investigação, debate democrático. Nada diz que teremos sucesso. Estou convencido de que o desafio climático é o desafio do século. As consequências talvez não sejam apocalípticas, mas serão certamente trágicas. Um aumento de dois graus Celsius vai provocar inundações, episódios climáticos extremos que vão forçar migrações por toda a parte.
Se a Europa já tem dificuldade hoje em lidar com a questão migratória, este cenário seria o caos?
Absolutamente. [silêncio]
Poderia colocar em causa o projecto europeu, por exemplo?
Talvez. Não sabemos. Penso que este é o ponto mais complicado. Porque, neste caso, estamos a falar de centenas de milhões de pessoas afectadas. Temos de evitar isso. Evitar, neste caso, significa que a Europa desempenha aqui um papel importantíssimo, é uma potência económica e, portanto, responsável por parte das emissões. Temos aqui um compromisso. Mas, para isso, é preciso que todos os intervenientes sociais se mobilizem. Não podemos simplesmente acreditar na autenticidade, na virtude, no declínio do consumismo.
Vê as soluções científicas como uma resposta democrática aos problemas climáticos, portanto?
Sim. Não podemos impedir um cidadão de ter um automóvel, mas podemos disponibilizar um carro que não polua. Em breve, teremos motores de aeronaves movidos a hidrogénio. [A activista sueca] Greta Thunberg demoniza os turistas, mas não contribui para que encontremos uma solução. Greta Thunberg não é amiga de Portugal — se suprimirmos o turismo, não será uma boa notícia para os portugueses. Deixar de andar de avião seria algo difícil para países como a Tunísia, o Egipto e a Indonésia, que tem uma parte significativa do PIB vinda do turismo.
Veja o que o ocorreu durante a pandemia. Dizia-se que tudo tinha mudado, que as pessoas agora eram responsáveis. Meses depois, os aeroportos estavam cheios de gente, o que não me surpreendeu nada. Paris voltou a ser o primeiro destino turístico do mundo. As pessoas vão deixar de viajar porque a Greta Thunberg disse que não se deveria andar de avião? Greta Thunberg não contribui para que se encontrem soluções. Ela tem uma postura moralizadora e cheia de culpa. E eu não acho que a culpa vá mudar as coisas. Há quem se sinta culpado, mas eu vou deixar de dar uma conferência em Lisboa? Não, vou continuar a andar de avião, porque a finalidade é boa, porque fomenta o debate de ideias.
Dentro de um século, talvez até 50 anos, devemos estar a aplaudir, a agradecer às nossas elites — e não a demonizá-las. Não haverá solução sem engenheiros e cientistas. Não podem deter a solução sozinhos; eles fazem-nos propostas e nós concordamos, ou não. Mas, sem eles, não haverá solução à escala planetária. Sem eles, será o caos.