Excerto do romance Dor Fantasma, de Rafael Gallo
A obra que recebeu o Prémio Literário José Saramago 2022 chegou nesta quinta-feira às livrarias portuguesas numa edição da Porto Editora.
As mãos pousam ao piano. Na brancura do teclado, os dedos se deixam deslizar, potentes cavalos-marinhos de volta à água aonde pertencem. Lançada de cima, a luz do palco o divisa da escuridão, abre cortinas por entre as cortinas. Sob o peso das falanges dele, antes mesmo do ataque inicial, as teclas se curvam em obediência. Silêncio, ainda. No vão oculto do instrumento, mecanismos se alçam rentes às cordas, véspera do bote. A partitura de Funerais, de Franz Liszt, posiciona-se no suporte, amuleto sem qualquer metafísica. Rômulo a mantém ali como gesto de reverência ao compositor; sequer olhará em sua direção, nem mesmo passará as páginas. Conhece de cor cada um desses milhares de alvos circulares, grafados entre as linhas da pauta. Sabe que não pode errar nenhum. Não vai errar.
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