Marcelo prolonga pingue-pongue com Costa: “Cada órgão de soberania escolhe o seu momento”

Na quarta-feira, António Costa afirmou, numa indirecta ao Presidente, que “uma coisa muito importante na política e nas relações entre os órgãos de soberania é cada um actuar no momento próprio”.

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Marcelo Rebelo de Sousa durante a visita à República Dominicana EPA/ORLANDO BARRIA

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, continuou esta quinta-feira a troca de argumentos pública com o primeiro-ministro, afirmando que "cada órgão de soberania escolhe o seu momento". Uma afirmação feita em resposta a uma pergunta sobre a declaração feita na véspera por António Costa em que o chefe do Governo realçava, no Parlamento, a importância de cada titular dos órgãos de soberania "actuar no momento próprio".

O chefe de Estado falava aos jornalistas num hotel de Santo Domingo, a meio da sua visita oficial de um dia à República Dominicana, que antecede a 28.ª Cimeira Ibero-Americana, em que também participará o primeiro-ministro, António Costa, na sexta-feira e no sábado.

Questionado sobre as afirmações que o primeiro-ministro fez na quarta-feira durante o debate sobre política geral no Parlamento, a propósito da polémica em relação ao arrendamento coercivo de casas devolutas, Marcelo Rebelo de Sousa respondeu que não ouviu "nada do que se passava em Portugal" e que não iria comentar a actualidade nacional no estrangeiro.

Mas interrogado em concreto sobre a afirmação de António Costa de que "uma coisa muito importante na política e nas relações entre os órgãos de soberania é cada um actuar no momento próprio", o Presidente da República declarou: "Sabem aquilo que eu penso sobre essa matéria, que é que cada órgão de soberania escolhe o seu momento."

"Ninguém vai dizer aos deputados: olhem, não apresentem esta iniciativa legislativa porque não dá jeito ao Presidente ou ao Governo. Eles apresentam quando entendem que devem apresentar", exemplificou.

No debate sobre política geral realizado esta quarta-feira na Assembleia da República, António Costa acrescentou àquela afirmação, e a propósito do pacote do Governo sobre habitação, em que várias das medidas propostas estão na fase final de consulta pública, a ideia de que, "neste momento, o nosso tempo é de ouvir para depois podermos decidir".

Marcelo Rebelo de Sousa realçou ainda que o Presidente da República tem o seu "magistério de influência" e acrescentou: "Eu devo ser mesmo o único Presidente que nunca deu recados nos discurso nem do 25 de Abril, nem do 10 de Junho, nem do 5 de Outubro."

Quanto à intenção anunciada pelo Governo em meados de Fevereiro de impor o arrendamento de casas devolutas, no âmbito do pacote de medidas designado Mais Habitação, o chefe de Estado salientou que ainda não foi convertido em diploma: "Não conheço nenhuma lei que esteja para promulgar lá em Belém, acho que despachei tudo."

No que diz respeito à habitação, Marcelo promulgou na passada terça-feira o decreto-lei do Governo relativo a apoios às rendas e créditos à habitação que visa apoiar as famílias no actual contexto de crise imobiliária e de aumento das taxas de juro. Apesar da rápida promulgação, o Presidente não deixou de lamentar que as medidas do executivo de Costa "não sejam mais alargadas, designadamente por via fiscal, para abrangerem outras situações igualmente muito difíceis".

Também na sequência das medidas do Governo para a habitação, na segunda-feira Marcelo Rebelo de Sousa referiu-se ao pacote do executivo como uma "lei cartaz", explicando de seguida querer com isso dizer tratar-se de uma legislação que não é para passar à prática. Na mesma ocasião, o Presidente acentuou o tom crítico: "Tal como está concebido, logo à partida, o pacote da habitação é inoperacional. Quer no ponto de partida, quer no ponto de chegada."

Dois dias depois, no debate bimensal com o primeiro-ministro no Parlamento, António Costa ripostou reiterando a ideia de que ele próprio é um fazedor ao passo que Marcelo é um falador.

"A razão pela qual prefiro funções executivas é que nas outras fala-se, fala-se, fala-se e nas funções executivas faz-se ou não se faz. E a medida do que se faz está nos resultados", atirou em reacção a uma questão do deputado liberal Carlos Guimarães Pinto que pareceu, sobretudo, uma resposta indirecta ao Presidente da República.

No início de Março, em entrevista ao PÚBLICO/RTP, Marcelo já sinalizara ter dúvidas quanto às possibilidades de sucesso da polémica ideia do Governo relativa ao arrendamento coercivo – que Costa faz questão de lembrar já estar prevista na lei –, argumentando que "o pacote do Governo, no arrendamento coercivo, baseia-se em duas ideias: a primeira é que são os municípios que vão descobrir as casas devolutas. Já se percebeu que os municípios não vão descobrir. Já vários presidentes disseram que não têm meios para descobrir, a não ser uns poucos milhares de casas devolutas. Não têm a máquina, não sei se não têm vontade, não participaram. Tenho dúvidas de que o processo não comece mal."

Notícia actualizada às 23h10 com mais informações