Governo australiano convoca referendo histórico para reconhecer e dar “Voz” aos povos indígenas

Primeiro-ministro trabalhista propõe alteração constitucional e criação de órgão parlamentar consultivo de representação dos povos aborígenes e do estreito de Torres. Oposição pede mais pormenores.

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Anthony Albanese, primeiro-ministro australiano, anunciou os seus planos numa conferência de imprensa em Camberra Reuters/STRINGER

Num discurso emotivo, em Camberra, o primeiro-ministro da Austrália, Anthony Albanese, anunciou nesta quinta-feira a convocação de um referendo para reconhecer constitucionalmente os povos aborígenes e das ilhas do estreito de Torres e para criar uma comissão consultiva para aconselhar o Parlamento e o Governo sobre questões que dizem respeito às comunidades indígenas do país.

Marginalizados e perseguidos pelos colonizadores britânicos durante décadas, os povos originários australianos representam 3,2% da população, informa a Reuters. Mas não merecem qualquer referência na Constituição da Austrália, em vigor há 122 anos, e só adquiriram direito de voto nos anos 1960. Para além disso, a grande maioria consta dos grupos socioeconómicos mais desfavorecidos do país.

O executivo trabalhista vai apresentar, na próxima semana, uma proposta de lei de revisão constitucional, que espera poder aprovar até Junho e que pretende acrescentar três artigos à Lei Fundamental.

São eles: “1. Haverá um órgão, que será chamado Voz dos Aborígenes e dos Ilhéus do Estreito de Torres; 2. A Voz dos Aborígenes e dos Ilhéus do Estreito de Torres pode fazer recomendações ao Parlamento e ao Governo executivo da Commonwealth sobre matérias relacionadas com os povos aborígenes e dos ilhéus do Estreito de Torres; 3. Cumprindo esta Constituição, o Parlamento tem competências para elaborar leis relacionadas com os assuntos respeitantes à Voz dos Aborígenes e dos Ilhéus do Estreito de Torres, incluindo a sua composição, funções, competências e procedimentos.”

Qualquer alteração ou revisão constitucional só pode, no entanto, ser levada a cabo com o consentimento da maioria dos australianos, através de um referendo nacional. Albanese pretende que o mesmo se realize algures nos últimos três meses do ano.

A pergunta que será colocada à população, revelou o primeiro-ministro, será a seguinte: “Uma proposta de lei: para alterar a Constituição e para reconhecer os Primeiros Povos da Austrália, através do estabelecimento de uma Voz dos Aborígenes e dos Ilhéus do Estreito de Torres; aprova esta proposta de alteração?”

Apesar de as sondagens apontarem para a aprovação – um inquérito divulgado pelo Guardian Australia na terça-feira mostrava um apoio de 59% –, não é certo que isso venha a acontecer.

O site do Parlamento australiano lembra que das 44 propostas de alteração constitucional realizadas em mais de 100 anos, apenas oito foram aprovadas, sendo que a última foi há mais de 40 anos (1977). Em 1999, por exemplo, a maioria dos australianos rejeitou um sistema presidencial, optando por manter o monarca do Reino Unido como chefe de Estado da Austrália.

Daí o repto de Albanese, que, ladeado de líderes e representantes dos povos indígenas, não conseguiu conter as lágrimas na hora de anunciar a convocação de um referendo.

“Trata-se de um pedido modesto. Não percam [esta oportunidade]. Não a percam”, pediu o primeiro-ministro, citado pelo Sydney Morning Herald.

“É uma oportunidade que não pertence aos políticos, pertence a cada australiano, individualmente – uma pessoa, um voto. Pessoas de todas as crenças, contextos e tradições. Todos teremos uma palavra a dizer, vamos poder ter um contributo igualitário para aquilo que acredito que será um momento inspirador e unificador australiano. Se não for agora, quando será?”, questionou.

Com o Partido Trabalhista (centro-esquerda) e os Verdes (esquerda ecologista) empenhados em defender a aprovação da emenda constitucional, e com o Partido Nacional (centro-direita e agrário) decidido a fazer campanha contra a mesma, resta saber qual será a posição oficial do Partido Liberal (conservador), a principal força da oposição – estes dois últimos governaram a Austrália, em coligação, entre 2013 e 2022.

Numa conferência de imprensa, realizada nesta quinta-feira, Peter Dutton, líder dos liberais, disse que está à espera de mais pormenores sobre a proposta, nomeadamente em relação aos poderes e às competências efectivas que serão atribuídas ao novo órgão consultivo.

“Cabe ao primeiro-ministro explicar como é que a Voz vai produzir resultados práticos para os australianos indígenas”, afirmou. “Iremos decidir, no devido tempo, se apoiamos a Voz ou se nos opomos a ela.”

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