Conferência da Água da ONU: Duarte Cordeiro junta-se ao coro que pede acção urgente

Passaram 50 anos desde que a ONU se reuniu para debater a gestão da água. “Queremos contribuir para a agenda de acção para a água, tão necessária como urgente”, disse o ministro do Ambiente português.

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Ambientalistas argentinos celebram o Dia Mundial da Água apelando à protecção dos recursos naturais Reuters/MARIANA NEDELCU

“A água é vida. É essencial para tudo o que fazemos.” A ideia já tinha sido repetida em praticamente todos os discursos feitos por representantes dos Estados que tomaram a palavra na plenária da Conferência da Água, mas Deb Haaland, secretária do Interior dos EUA, “orgulhosamente membro do Pueblo de Laguna, no Novo México”, quis torná-la pessoal.

“Tenho visto e vivido os desafios da escassez de água e como as alterações climáticas colocam pressão sobre as comunidades, em particular as mais vulneráveis.” O seu povo, conta Haaland, tem o costume de cantar preces para pedir chuva. Mas no caso da crise hídrica que o mundo atravessa, constata, “orações não nos vão ajudar a ultrapassar esta crise”.

É a primeira vez em quase 50 anos que a ONU se reúne para debater a gestão da água. Trata-se, formalmente, da Conferência de 2023 para a revisão integral de meio-termo da implementação da Década das Nações Unidas para Acção sobre Água e Saneamento (2018-2028), um nome burocrático para uma reunião com poucos holofotes, talvez por não se esperarem tratados ou diplomas vinculativos, mas “apenas” compromissos.

“Apenas” compromissos, contudo, não será coisa pouca, num tema que, a nível internacional, é caracterizado pela fragmentação de actores e falta de acção coordenada e robusta. A água é um bem essencial à vida e à prosperidade dos países, pelo que abdicar da soberania sobre este recurso é um ponto difícil de negociação (que o diga Portugal, que partilha rios com Espanha).

Por outro lado, a sua escassez tem sido cada vez mais foco de tensões e conflitos, pelo que urge encontrar uma solução que garanta a paz e a partilha de recursos num planeta que as alterações climáticas estão a tornar cada vez mais imprevisível.

Ao sublinhar a necessidade de “esforços inclusivos e colectivos”, Deb Haaland insistia numa ideia muito presente na Conferência da Água: que as comunidades mais vulneráveis são também, em muitas geografias, aquelas com as quais os outros países podem aprender estratégias de adaptação, incluindo-se aqui muitas comunidades indígenas e povos ancestrais (representadas na Conferência) que, além disso, têm uma relação privilegiada com a Natureza. “Cabe a nós garantir que somos bons mordomos deste dom profundo”, rematou a secretária do Interior norte-americana.

Ouvir as pessoas mais vulneráveis

Também Pedro Arrojo-Agudo, relator especial da ONU para o direito à água potável e saneamento, afirmou que é preciso abrir espaço para ouvir as populações indígenas. Recordou ainda as vozes “que têm sido silenciadas”, como a de Berta Cáceres, activista hondurenha e líder indígena que foi assassinada em 2016.

Por todo o mundo, notou, há dois mil milhões de pessoas sem garantia de acesso a água potável, enquanto mais de três mil milhões não têm saneamento básico. Falando numa das sessões de “diálogo interactivo” sobre água potável, saneamento básico e higiene (conhecido pela sigla WASH, omnipresente na conferência), o ambientalista espanhol alertou que as populações mais pobres são também mais vulneráveis, muitas das quais vivendo perto de aquíferos poluídos.

O relator especial, que tem visitado países de todo o mundo, mencionou ainda os “territórios sacrificados por causa de actividades mineiras, legais e ilegais”, uma tendência que irá agravar-se à medida que são preciso mais minerais para a tecnologia necessária para a transição ecológica.

Pedro Arrojo-Agudo identifica dois grandes desafios: dar prioridade à conservação, já que “não será possível ter paz com os nossos rios e atingir o ODS 6 [garantir água e saneamento para todos] se não recuperarmos os rios e aquíferos dos quais as pessoas dependem”; e a necessidade de manter a água como “um bem comum acessível a todos”. “Ver esta crise como uma oportunidade de privatização só a vai piorar”, alertou o ambientalista.

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Ministro do Ambiente discursou esta quarta-feira na conferência da ONU Nuno Ferreira Santos

“A água e a sua gestão exigem acção”

Era já hora de jantar, no horário português, quando o ministro do Ambiente e da Acção Climática português, Duarte Cordeiro, tomou o púlpito da Assembleia-Geral das Nações Unidas para começar também com um toque pessoal: “O ano 2022 foi especialmente preocupante para o meu país, um dos anos mais secos desde que há registos.” A redução na precipitação e a seca subsequente, explicou, “teve um impacto significativo na quantidade de água que aflui às nossas barragens e afectam de forma directa os recursos hídricos e as nossas comunidades”.

A receita apresentada por Portugal é a que já se conhece: uma aposta na redução do consumo e no uso eficiente da água, “poupando-a e preservando as suas fontes”. Em outros tópicos abordados na conferência, Portugal é um dos bons alunos, com uma taxa de cobertura da rede de saneamento “em torno de 85%” e a quase totalidade da população com acesso a água potável.

“Temos hoje desafios que não tínhamos há 46 anos”, afirmou o ministro. A água é fundamental para a transição energética, recordou, enumerando a produção de energia renovável, o armazenamento de energia ou a produção de hidrogénio verde.

É preciso, explicou Duarte Cordeiro, apostar na economia circular, por exemplo, com água reutilizada. “Até 2025, queremos que 10% de toda a nossa água tratada seja aproveitada, usando-a para finalidades que não exigem a sua potabilidade”, lembrou, referindo-se à rega de culturas permanentes e de campos de golfe ou à limpeza urbana.

“A água e a sua gestão exigem acção”, rematou Duarte Cordeiro, sublinhando que “é preciso acelerar, redobrando esforços e compromissos”, e “melhorar a coordenação e a coerência do trabalho no seio das Nações Unidas”.

Lançou, por fim, um convite para uma “coligação” para “ajudar a responder ao desafio global de melhorar a gestão a nível local, regional, nacional e transnacional”. “Queremos contribuir para a agenda de acção para a água, tão necessária como urgente.”