Grande conferência PÚBLICO: como criar um movimento de raiz e falar sem excluir ninguém
A documentarista Eliza Capai e as activistas Andreia Galvão e Ana Pêgo foram algumas das responsáveis pelos workshops na tarde de 21 de Março, no CCB, no âmbito do 33.º aniversário do jornal.
Os movimentos cívicos levam pessoas a manifestarem-se nas ruas, mas nesta terça-feira foi no Centro Cultural de Belém (CCB) que se reuniram para ouvir Andreia Galvão, porta-voz do movimento Vida Justa, explicar como se organiza um movimento activista — e porquê.
Entre as 15h e as 18h, de 21 de Março, o CCB recebeu cinco workshops organizados pelo PÚBLICO, para celebrar o 33.º aniversário do jornal. Ao mesmo tempo, Eliza Capai, Ana Pêgo e Andreia Galvão subiam aos palcos das salas onde o público já as esperava. Eliza Capai falou sobre documentarismo e activismo, a bióloga marinha Ana Pêgo sobre plástico no mar e Andreia Galvão deu uma formação em ponto pequeno sobre como funcionam os movimentos cívicos — e ainda houve tempo para inventar um ou outro. Depois, foi a vez de Catarina Matos mostrar como se pode “fazer pelo planeta” e Jo Matos clarificar que a “linguagem inclusiva não exclui”.
Ideologia, pessoas e um problema são a base de qualquer movimento cívico, começou por explicar Andreia Galvão. É preciso identificar um problema, reunir e organizar pessoas que queiram combatê-lo, tudo isto apoiado numa ideologia que deve ser bem definida. Se uma das três falha, não há movimento, diz a activista, que deixou um conselho: “Ninguém consegue contornar o sectarismo”, mas é preciso discutir dentro do grupo para atingir consensos e avançar.
Havia poucas cadeiras ocupadas na sala Almada Negreiros, mas a conversa foi fluindo e todos — mais novos e mais velhos — ouviam atentamente. Depois de uma hora de partilha de ideias, a bola passou para quem estava na plateia. A sala foi dividida em duas partes e cada grupo teve de criar um movimento cívico que unisse todos os elementos, até ali desconhecidos. Tudo o que tinham eram passos que podem guiar qualquer movimento: definir o problema e as soluções, a organização interna, os passos até atingir o objectivo, identificar obstáculos e, por último, definir um plano de comunicação.
Do lado direito da sala, foi a falta de mobilidade em Lisboa que reuniu consensos. Um dos participantes era de São Paulo, no Brasil, e vivia em Paris, mas após pouco tempo na cidade conseguia identificar-se com o problema. Trocaram experiências, falaram de soluções, mas não houve tempo para cobrir todos os passos. Queriam mais tempo para conversar, mas subiram ao palco e apresentaram as ideias. Andreia Galvão disse que o objectivo da actividade era precisamente perceber que criar um movimento “não é assim tão difícil, basta ter vontade”.
O que é a linguagem inclusiva?
Nem houve tempo para as cadeiras ficarem livres. Mal terminou o workshop sobre movimentos cívicos, saíram algumas pessoas, entraram ainda mais e Jo Matos, da rede ex aequo, abriu a sessão sobre linguagem inclusiva.
“Alguém sabe o que é linguagem inclusiva?”, questionou. As respostas começaram tímidas e não deixavam adivinhar a participação que se seguia. A linguagem deve incluir todos, “mas quem são esses todos?”, perguntava Jo. Pessoas de todos os países, pessoas portadoras de deficiência, pessoas de todos os géneros. Foi neste último ponto que a conversa se focou: como é que se inclui pessoas não binárias, como Jo, que usa pronomes neutros? E porquê?
Há uns anos usava-se o arroba — em vez de “todos” ou “todas”, escrevia-se “tod@s”, por exemplo —, mas a formulação só resultava escrita. Hoje, o mais habitual é escrever-se “todes”, mas legalmente essa formulação não é reconhecida. Do público surgiu a possibilidade de esta ser uma discussão “secundária” e “pouco importante”, mas Jo garantiu que a linguagem é equivalente à existência. Se a expressão e identidade “género não binário” não existisse, era como se Jo não existisse também, disse.
Jo lembrou que é preciso continuar a lutar porque as conquistas LGBTQIA+ são “muito recentes” e a qualquer momento podem regredir. E os jornais, garante, podem ajudar: “É muito importante a comunicação social ter noção do peso das suas palavras e não as usar para discriminar e reforçar estereótipos, mas antes abrir horizontes e dar informação fidedigna.”
Texto editado por Renata Monteiro