Abbott Elementary, a sitcom fresca à antiga
Falámos com Quinta Brunson, a criadora e protagonista da série cómica da Fox Comedy que se tornou um fenómeno e ganhou três Emmy e três Globos de Ouro.
Abbott Elementary é uma sitcom à antiga. Rodada em formato de falso documentário, é um original da ABC, um canal generalista, passa em horário nobre, e até tem um “vão ou não vão?”, uma tradicional tensão romântica latente entre dois dos protagonistas. Mas nada na comédia criada e protagonizada por Quinta Brunson e focada nos professores de uma escola pública em Filadélfia com poucos recursos é antiquado. A série, cuja segunda temporada chegou ao Fox Comedy no início do mês – a primeira pode ser vista na íntegra no Disney+ –, é refrescante, de agora e para agora.
O tom de Abbott Elementary pode ser profundamente parvo, e é-o com frequência. Nunca resvalando para o sentimentalismo barato, também puxa por vezes pelo coração. Ao mesmo tempo, é tudo menos insosso. Não tem medo de abordar temas polémicos, como o das escolas charter, nesta leva de episódios, ou constantemente chamar a atenção para a importância da escola pública e do caos que são o financiamento e as condições destes professores e alunos. É um equilíbrio complicado, que poderá ajudar a explicar a sua popularidade junto do público, da crítica e dos prémios – ganhou três Emmy e três Globos de Ouro, incluindo de Melhor Série de Comédia e Melhor Actriz de Comédia para a autora.
O nome da série é o nome da escola que serve uma população predominante negra e pouco abastada da cidade. A criadora faz de Janine, uma professora ultra-optimista e motivada, pouco preocupada com ser fixe e muito dada ao confrangimento, sem medo de ser frequentemente patética. Tem uma tensão com Gregory, interpretado por Tyler James Williams (de Todos Odeiam o Chris e Dear White People, que ganhou um Globo de Ouro por este papel), um resquício de televisão clássica que Brunson diz adorar. Gregory é um professor que tinha estudado para ser director da escola, mas que viu os planos serem furados pela corrupção e a chantagem.
No lugar de directora está Ava, pouquíssimo talhada para a tarefa, sempre imprópria e hilariante, num papel que fez da cómica de stand-up Janelle James um fenómeno do dia para o outro. A compor o resto da equipa estão uma veterana admirada por Janine (a veterana Sheryl Lee Ralph, que ganhou um Emmy pelo papel), bem como uma durona com um passado e ligações pouco lícitas (Lisa Ann Walter) e um professor de História ainda menos fixe do que Janine, sendo estes dois últimos os únicos professores brancos da escola.
Brunson, que se fez notar primeiro na Internet, entre o Instagram e o site Buzzfeed e depois passou por A Black Lady Sketch Show, autodescreve-se como nerd de comédia – até o disse enquanto recebia um dos seus dois Globo de Ouro –, alguém que está ciente do que está para trás em termos de história televisiva e de como evitar cair em erros semelhantes. Numa mesa-redonda com jornalistas internacionais via Zoom na semana passada, a comediante explicou que evitar o mofo, enquanto se trabalha dentro dos limites dos formatos tanto do falso documentário quanto da sitcom generalista, passa por manter o foco “sempre na história”.
“Acho que é importante só tentar encontrar histórias únicas, o tipo de ouro que conseguimos extrair da nossa mina. As coisas parecem batidas, quando já viste exactamente a mesma história noutra série”, continua. “[Com Abbott estou] sempre a tentar perguntar: ‘Que canto da escola é que ainda não cobrimos e que o público não espera que cubramos?’”
Brunson conta que, por vezes, lhe perguntam: “Quando é que vão fazer um episódio sobre o dia de tirar fotografias na escola?” “E eu respondo: ‘Não, porque acho que tu esperas esse episódio. Preferia ir ver uma parte do mundo dos professores que ainda não conhecemos.’” Quanto ao formato de mockumentary, do falso documentário, para ela é “apenas outro formato”, como o preto e branco. “Não há muito que possamos fazer para mudá-lo em termos do que já foi feito antes.” Só continuar a fazer – de forma fresca. E bem.