Três mensagens que os cientistas do IPCC querem mesmo passar

Investigadores insistem que ainda há esperança, mas é preciso pôr em prática, imediatamente, medidas urgentes para cuidar do planeta.

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Relatórios do IPCC mostram um cenário cada vez mais sombrio, mas também o caminho para reverter esta situação Justin Sullivan/Getty Images

Foi apresentado nesta segunda-feira o relatório de síntese do trabalho do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) sobre o seu sexto ciclo de avaliação (AR6) das alterações climáticas.

Foram produzidos relatórios de avaliação dos seus três grupos de trabalho, três relatórios especiais, um aperfeiçoamento do relatório metodológico e, nesta segunda-feira, o relatório de síntese. Em relação aos grupos de trabalho, o relatório de 2021 abordou os principais motores do aquecimento global e os elementos centrais da ciência climática. Seguiram-se dois relatórios em 2022, abordando como o mundo terá de se adaptar aos impactos climáticos, desde a subida dos mares à diminuição da vida selvagem, e sobre formas de “mitigação” ou refinação das emissões de aquecimento climático.

Fechado o ciclo, este é um momento de balanço sobre a informação recolhida nesta última onda de avaliações, mas também para olhar no futuro e apostar nas soluções e recomendações que os diferentes relatórios trouxeram.

Em declarações a jornalistas no âmbito da Oxford Climate Journalism Network (OCJN) antes da divulgação do relatório de síntese, três cientistas que participaram nos diferentes grupos de trabalho explicam que os relatórios do IPCC mostram um cenário cada vez mais sombrio, mas têm sido capazes de mostrar o caminho para reverter as emissões de CO2 e conter o impacto das alterações climáticas nas populações humanas e animais. A mensagem, insistem, é de esperança. Mas o que falta, afinal, para chegarmos lá?

Ainda vamos a tempo de agir

O primeiro relatório do sexto ciclo de avaliação, publicado em Agosto de 2021, foi totalmente dedicado às provas científicas sobre as alterações climáticas, e trouxe provas ainda mais contundentes de que a humanidade está a influenciar o clima e a tornar a sua própria vida no planeta cada vez mais difícil. As projecções foram de aumento da temperatura global e de outros fenómenos a ela associados, tornando-se mais evidente que isto está a acontecer mais depressa e com mais intensidade do que era previsto.

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A investigadora Friederike Otto, do Imperial College London, explica que não restam dúvidas: “Cada tonelada de CO2 importa. Cada grau de aquecimento importa.” Mas os dados também dão margem à esperança. “Ainda é tempo de agir, não há tempo para desesperar”, afirmou aos jornalistas a climatólogo, que fez parte do Grupo de Trabalho I, que teve a seu cargo o relatório.

Há limites para a adaptação

O segundo relatório do IPCC, elaborado pelo Grupo de Trabalho II, foi publicado em Fevereiro de 2022, poucos dias depois da invasão russa do território da Ucrânia. Dedicado à adaptação — o que é que podemos fazer para conter o impacto das alterações climáticas —, revelou que não se pode continuar a pensar só a curto prazo e que “é agora claro que mudanças pequenas, marginais e reactivas não serão suficientes”. São precisas ainda mais medidas urgentes para nos adaptarmos aos efeitos das alterações climáticas – além, claro, dos cortes nas emissões de gases com efeito de estufa. “Meias medidas já não são uma opção”, alertava então o presidente do IPCC, Hoesung Lee.

Vanesa Castan Broto, professora de Urbanismo Climático na Universidade de Sheffield, no Reino Unido, explica que “a adaptação está a atingir os limites” e não conseguirá, por si só, conter os estragos feitos pela falta de acção em termos de mitigação das emissões (já lá vamos).

Os cientistas têm também identificado aquilo a que chamam “má adaptação”, ou seja, “soluções” que, além de não resolverem os problemas das populações, “criam outros problemas”. Com algum planeamento e visão de longo prazo, nota a investigadora, existem “oportunidades de adaptação” que podem fazer toda a diferença para os 3,6 mil milhões de pessoas que vivem em zonas vulneráveis.

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Vanesa Broto salienta ainda que foi, pela primeira vez, incluído no relatório do Grupo de Trabalho II um capítulo sobre os conhecimentos dos povos nativos. Os cientistas reconhecem “como as nossas histórias, as nossas sociedades moldam a nossa resposta” às mudanças no planeta, e recomendam ainda que as soluções dos povos indígenas, pautadas por um maior respeito pela natureza, sejam incluídas entre as referências para imaginar um futuro mais resistente num planeta cada vez mais quente.

A mitigação funciona, mas ainda não estamos lá

O terceiro relatório do IPCC, publicado em Abril de 2022, dedicado à mitigação — a redução de emissões de gases com efeito de estufa —, revelou que entre 2010 e 2019 as emissões de gases com efeito de estufa estiveram “no seu nível máximo na história dos humanos”. “Não estamos no caminho”, alerta o cientista Raphael Slade, do Imperial College London, membro do grupo de trabalho III que produziu o relatório. A boa notícia: as emissões estão a aumentar a um ritmo mais lento.

Para limitar a subida da temperatura a 1,5ºC (em relação aos níveis pré-industriais), o “pico” das emissões tem de acontecer até 2025, no máximo – e terá de ser reduzido em 43% até 2030. Ou seja, se continuarmos sem uma acção imediata para um corte profundo nessas emissões, será “impossível” limitar o aquecimento global a 1,5ºC. Mas, como nota Raphael Slade, há provas de que, “se conseguirmos parar de emitir carbono, os efeitos vão ser imediatos”. “Os investimentos estão a começar a compensar”, sublinha o investigador, que coordenou o relatório deste grupo de trabalho.

Sobre o caminho que é preciso fazer até 2030, Slade sublinha que “não existe uma estratégia única” — são precisas várias soluções complementares para reduzir as emissões.

“Estamos numa encruzilhada”, declarava em Abril do ano passado o presidente do IPCC, Hoesung Lee. “As decisões que tomamos agora asseguram um futuro habitável. Temos as ferramentas e o conhecimento para limitar o aquecimento.”