Louçã vê um BE maduro e elogia a “personalidade raríssima” de Mortágua

O ex-líder do BE considera que o Governo não chega até 2026 e que Marcelo “está de mãos atadas perante uma direita fragmentada” que ainda pode vir a unir-se, alerta.

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Francisco Louça, ex-coordenador do Bloco de Esquerda Daniel Rocha

O fundador bloquista Francisco Louçã destaca um "amadurecimento muito grande" do Bloco de Esquerda (BE) e a capacidade de "unificar o partido" de Catarina Martins, apoiando Mariana Mortágua para a liderança, "uma personalidade raríssima na política portuguesa".

Na convenção nacional do BE do final de Maio, o partido vai mudar de liderança depois da decisão de Catarina Martins deixar de ser coordenadora e, em entrevista à agência Lusa, o fundador e antigo líder bloquista elogia o "trabalho extraordinário" que "provou que uma mulher podia afirmar-se na política entre as maiores personalidades da vida pública portuguesa".

"[Catarina Martins] mostrou que sabia correr riscos, tomar decisões, conduzir o partido, unificar o partido, mobilizar a esquerda, ser uma voz de referência para sectores populares muito amplos, ter uma capacidade de diálogo extraordinário. Tenho para com ela uma dívida enorme, como acho que muita gente tem", sublinha.

Assumindo um apoio formal a Mariana Mortágua nesta corrida, Francisco Louçã refere que subscreveu a moção que a deputada lidera e que tem, entre outros, os nomes de Catarina Martins, Marisa Matias ou Pedro Filipe Soares.

"Creio que é uma personalidade raríssima na política portuguesa. É raríssimo ver uma pessoa tão jovem e com uma história tão densa de capacidade profissional, política e humana. E isso não se encontra nem com uma candeia", elogia quando questionado se Mariana Mortágua é a pessoa certa para liderar agora o partido, apesar de recusar precipitar-se sobre a decisão que será tomada na reunião magna de 27 e 28 de Maio, em Lisboa.

O antigo líder do BE assume que foi muito crítico da corrida eleitoral interna de 2014 "e o que aconteceu depois disso foi a prova de que houve um amadurecimento muito grande porque as forças que estavam em disputa nessa cimeira de 2014 constituíram em conjunto uma direcção sólida".

"O que divide um partido não é haver duas, ou três, ou quatro ou cinco opiniões diferentes, ou listas diferentes, o que divide é quando uma direcção não sabe o que quer ou não é capaz de se entender sobre o seu trabalho, e creio que hoje a direcção do BE tem uma maturidade e uma preparação", sustenta.

Na saída de Catarina Martins, o fundador bloquista considera que ela "tem idade para ter muita intervenção pública e cultural na sociedade portuguesa" e deixa um desejo: "que tenha um papel determinante, muito mais do que o meu, no futuro do Bloco de Esquerda".

"Catarina Martins, que foi a heroína das eleições de 2015, soube ter a coerência, correr o risco, pagou esse risco. O Bloco pagou esse risco de não aceitar não fazer um acordo suficiente ou fundamental com o Orçamento para 2022", refere.

O "preço da coerência" foi uma derrota nas eleições legislativas, mas para Louçã "a coerência é essencial", considerando que a comunidade precisa de saber que "têm pessoas que não cedem perante lugares ou que não cedem perante facilidades".

"Agora, não há nisso nenhum preço da geringonça. A geringonça é um activo da história do Bloco de Esquerda, é um orgulho da história do Bloco de Esquerda. Foi importantíssimo que assim acontecesse", defende, apesar do "erro" que foi o PCP ter recusado que os parceiros da geringonça se sentassem todos à mesma mesa de negociação.

Sobre a possibilidade de uma nova solução deste género no futuro, Louçã afirma que não é útil especular sobre cenários, defendendo que "hoje a força da esquerda é a oposição".

Governo não chega a 2026

Sobre o Governo, Louçã afirma que, "depois de um ano como este, um Governo como este não governa até 2026", considerando que houve pessoas que "foram enganadas" com a promessa da estabilidade da maioria absoluta.

A conjugação de dois efeitos é o que está na base desta análise de Louçã, o primeiro dos quais "as contradições internas de um Governo de maioria absoluta que está mais dividido do que quando tinha maioria relativa" e também a "pressão social que tem crescido e que se tem concentrado sobre os problemas que mais dizem respeito às pessoas".

Para o antigo líder do BE, "se o Governo não chegar ao fim é pela sua própria obra e mérito, ou seja, por se dividir, por desistir, por se desagregar".

"António Costa pode declarar que o Governo não está cansado, teria que o fazer por dever de ofício, mas basta olhar para a maior parte dos ministros e para a maior parte das suas declarações e perceber que são biombos na sala, que são respostas de circunstância ocasionais, sem estratégia, sem política, que quando têm vontade — e alguns ministros têm vontade — não têm recursos porque há uma microgestão por parte do Ministério das Finanças", critica.

Segundo Louçã, "houve pessoas que foram enganadas" nas últimas eleições legislativas porque "lhes prometeram uma estabilidade da maioria absoluta, que seria uma alternativa à direita", mas "a maioria absoluta foi simultaneamente totalmente instável, como não podia deixar de ser, porque o poder absoluto corrói por arrogância, como se demonstrou sucessivamente na escolha de uma parte do Governo", lamenta.

Aponta ainda como consequência desta maioria absoluta a capacidade de "reverter políticas sociais que eram dadas como necessárias e ainda em falta". Além da degradação dos salários, a expressão "mais dolorosa desse orgulho do abuso" é, segundo o bloquista, a questão dos aumentos das pensões que não responde à inflação.

Ilustrando situações deste género, Louçã considerou que "procurar ganhar simpatia através da ilusão ou da falsificação se tornou uma indústria política". "Creio que, desse ponto de vista, o deslumbramento de um poder de maioria absoluta e o atrevimento da demagogia política só se têm vindo a agravar", afirma.

Marcelo "de mãos atadas perante uma direita fragmentada"

Em relação ao Presidente da República, o antigo líder bloquista fala de um "emparelhamento entre António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa" que funcionou "em benefício de ambos" até à maioria absoluta, uma vez que esta abriu "uma fase nova" na relação entre os dois órgãos de soberania.

Para o fundador do BE, "Marcelo Rebelo de Sousa ganhou uma enorme margem de manobra em relação ao Governo", mas "está de mãos atadas perante uma direita que está fragmentada e está estruturalmente fragmentada e que vai aceitando com cada vez mais facilidade os temas políticos de uma agenda de agressividade social", alerta.

"É claro que o Presidente sabe que à direita não há nenhuma alternativa política. Sabe-o, disse-o e dizendo-o torna ainda mais agravado o buraco da falta de alternativa política à direita", adverte.