Só permitir eutanásia se suicídio assistido for fisicamente impossível é uma solução inédita
Solução portuguesa não tem paralelo na dezena e meia de países onde alguma forma de morte assistida é permitida. Há mais países a permitir a morte assistida por suicídio do que através de eutanásia.
É uma solução inédita. Inscrever na lei da despenalização da morte medicamente assistida a primazia do recurso ao suicídio assistido e só permitir a eutanásia no caso de ser impossível ao doente, por incapacidade física, administrar a si próprio os fármacos letais, como os deputados se preparam para fazer, é um expediente que não é usado em nenhum outro país onde a eutanásia é permitida. É um cenário defendido por seis juízes do Tribunal Constitucional.
A eutanásia é a administração ao paciente de fármacos letais por um médico ou um profissional autorizado, ao passo que o suicídio assistido é quando o próprio doente administra a si próprio esses fármacos na presença de um médico.
De acordo com um estudo comparado realizado pela Divisão de Informação Legislativa Parlamentar (DILP) relativo ao regime jurídico da eutanásia e do suicídio assistido em 46 países de todo o mundo, não há nenhum Estado onde exista esta subsidiariedade entre as duas técnicas.
Uma análise a todos estes regimes jurídicos permite perceber que, além de não haver nenhum país onde se aplique esta solução que o novo texto português irá prever, há mais países onde o suicídio assistido é permitido do que onde a eutanásia seja legalizada. Aliás, há Estados onde nenhuma destas formas de antecipar a morte é considerada legal mas, ainda assim, os tribunais vão permitindo ("fechando os olhos", em linguagem popular) o suicídio assistido.
Na contabilização feita pelo PÚBLICO a partir do estudo da DILP, entre os 15 países onde pelo menos um destes métodos é permitido (na lei ou na prática), só seis colocam em patamar de igualdade o recurso à eutanásia e ao suicídio, isto é, aquilo que os juízes do Tribunal Constitucional denominam "método alternativo": cabe ao doente escolher qual das hipóteses prefere, sem ter que a justificar. São eles o Canadá (desde 2016), Espanha (2021), Luxemburgo (2009), Nova Zelândia (2021), Países Baixos (2002) e o estado de Victoria, na Austrália (2019).
Todos estes seis países partilham as regras básicas que constavam também nos diversos textos já aprovados no Parlamento português: só para maiores de idade, naturais do país ou aí a viver há mais de um ano, em pleno uso das faculdades mentais, depois de uma escolha livre e informada, sem intervenção de terceiros na decisão e com doenças de grande sofrimento, em alguns casos fatais ou pelo menos sem cura nem melhora possível, e que provocam dependência de terceiros para a realização de tarefas básicas. Só nos Países Baixos e na Bélgica é possível a antecipação da morte a menores de 18 anos.
Só eutanásia ou só suicídio
Depois, há países com mecanismos parciais, isto é, onde se permite apenas a eutanásia ou apenas o suicídio. Na Bélgica, só a eutanásia é legal (desde 2022), ao passo que o suicídio assistido é punido criminalmente, sendo qualificado como envenenamento ou falta de assistência a pessoa em perigo.
O Uruguai deverá ter sido pioneiro a admitir a despenalização da eutanásia por via judicial, assinala a DILP, caracterizando-a como "homicídio piedoso", crime previsto no código penal desde 1933, mas com atenuantes, ao passo que o suicídio assistido é também crime punido com prisão. A Colômbia importou o mesmo modelo de pensamento, isentando o médico de responsabilidade criminal por ser feito a pedido do paciente em estado terminal.
Na Finlândia e na Suécia, a eutanásia é crime, mas ajudar alguém a suicidar-se não é punido por lei, embora viole o código de ética dos médicos. Na Suíça, considerada a meca do chamado "turismo da morte" pelos críticos da morte assistida, a eutanásia é considerada crime e punida com prisão, mas o suicídio assistido é despenalizado.
Nos Estados Unidos, a eutanásia activa (administração de fármacos por médicos com o propósito de matar) é proibida por lei em todo o país, mas dez dos 50 estados legalizaram o suicídio assistido – Oregon, Washington, Montana, Vermont, Califórnia, Columbia, Colorado, Havai, Maine e Nova Jérsia.
Em Itália, a Câmara dos Deputados aprovou um diploma sobre a morte voluntária medicamente assistida com base em oito iniciativas legislativas (incluindo de populares) mas ainda está à espera da apreciação do Senado. No entanto, em 2022, um tribunal permitiu pela primeira vez o suicídio assistido de um tetraplégico de 44 anos, depois de uma batalha judicial, que administrou a si próprio a injecção letal com o único dedo que tinha movimento.