Infografia
Quando a noite se torna longa: a anatomia de uma insónia
Cerca de um terço da população mundial tem sintomas de insónia em certas alturas da vida. Essa situação afecta homens e mulheres de diferentes faixas etárias, sendo mais frequente entre mulheres, pessoas mais velhas e de estratos socioeconómicos mais baixos. No dia em que se comemora o Dia Mundial do Sono, vamos viajar pelo corpo humano e perceber as principais causas e consequências deste problema nos diferentes sistemas do organismo.
O que é a insónia?
A insónia define-se como uma dificuldade persistente em adormecer ou em manter o sono, acompanhada por sintomas diurnos como fadiga, problemas de memória, sonolência e irritabilidade. Tudo isto, quando existem oportunidade e circunstâncias adequadas para dormir.
Nos casos em que os sintomas da insónia ocorrem três ou mais de três vezes por semana, durante três ou mais de três meses ou ao longo de vários anos, o diagnóstico é insónia crónica, uma condição com prevalência estimada de 10% na população mundial. A ocorrência de episódios mais curtos afecta uma em cada três pessoas.
A insónia pode ser inicial, quando o que existe é a dificuldade de adormecer.
![](https://static.publicocdn.com/Multimedia/Infografias/749/img/dificuldade.gif?v128)
Ou de manutenção, nos casos
em que o problema é manter o sono.
![](https://static.publicocdn.com/Multimedia/Infografias/749/img/sono.gif?v128)
Ambas podem coexistir no mesmo paciente — por vezes até em simultâneo.
O que provoca uma insónia?
O início dos sintomas está frequentemente ligado a episódios traumáticos da vida ou fases de maior stress, mas também pode acontecer de forma espontânea. Nesses casos, pode estar relacionado com outros distúrbios do sono, como apneia obstrutiva do sono ou a síndrome de pernas inquietas.
A insónia, em particular nos casos crónicos, deve ser diagnosticada e tratada de forma a diminuir o seu impacto a longo prazo. Além dos sintomas diurnos imediatos como a fadiga, sonolência, irritabilidade e o défice de atenção, que dificultam o trabalho e reduzem a qualidade de vida, a insónia crónica pode aumentar o risco de doenças psiquiátricas ou cardiovasculares, assim como potenciar acidentes rodoviários ou de trabalho.
Causas e consequências de uma insónia
Há inúmeras potenciais causas para a insónia. Muitas vezes, há mais do que um factor a contribuir para o problema, que tanto pode ser causa como consequência num complexo círculo vicioso de causa e efeito de problemas de saúde e má qualidade do sono.
Sistema nervoso
Na relação dos distúrbios do sono com o sistema nervoso, os transtornos de humor e de ansiedade têm uma influência decisiva, com ramificações tanto nas causas como nas consequências da perturbação do repouso. No caso da insónia, a ansiedade assume um papel central — seja enquanto patologia diagnosticada, seja como sintoma das preocupações diárias.
Insónias e ansiedade
Em muitos casos, as preocupações pessoais, familiares ou profissionais podem dificultar o descanso à noite e deixar as pessoas despertas até largas horas da madrugada. E no dia seguinte, com pouco tempo de repouso, há mais trabalho, compromissos e obrigações.
Se, por um lado, uma pessoa com ansiedade ou que se sinta nervosa pode ter dificuldade em adormecer, por outro, não conseguir dormir pode causar um agravamento desse estado de espírito. É uma bola de neve.
A influência da ansiedade no descanso está relacionada com a hiperestimulação que as preocupações, medos ou traumas provocam, impedindo a pessoa de “desligar”, relaxar e adormecer — as contas que tem por pagar, a integração dos filhos na escola ou a saúde de um familiar, por exemplo.
As consequências neurológicas de uma insónia
Neste campo partilhado de causas e consequências, também podemos encontrar distúrbios neurológicos, como as demências. Há estudos que indicam a hipótese de os distúrbios de sono serem alguns dos primeiros sinais de um processo demencial, ao mesmo tempo que a falta de descanso de qualidade é um factor de risco que aumenta o risco de doenças neurológicas.
Exemplos destas relações são o Parkinson ou o Alzheimer, em que as insónias ou outras condições que reduzam a qualidade do sono são um factor de risco.
Num plano mais incomum das causas, pode falar-se ainda da cegueira. Nos casos em que a percepção da luz é nula, a cegueira pode provocar alterações do ciclo de sono-vigília (estar a dormir e acordado), resultando em insónia.
A ansiedade de quem dorme mal
Os sintomas diurnos que acompanham as dificuldades de sono da insónia são consequências que afectam o bem-estar, a produtividade e a capacidade de atenção e raciocínio. A ansiedade também se pode identificar, para além do contexto patológico ou das questões do dia-a-dia, numa preocupação crescente na falta de horas de sono.
Uma pessoa que durma mal há várias semanas acaba por chegar ao trabalho cansada e com pouca motivação. Durante o dia, o cansaço pode provocar problemas de concentração e de memória: esquecimento na altura de registar compras, obrigar clientes a repetir pedidos ou colegas a dar instruções.
Os dias podem arrastar-se com sensação de sonolência, mas nem as horas livres permitem repor o descanso: ao contrário do que acontece com outros distúrbios de sono, quem sofre de insónias muitas vezes não é capaz de fazer uma sesta, nem tem episódios de adormecimentos acidentais.
As relações com a família, os amigos e os colegas de trabalho também sofrem com a insónia: quem interage pode notar maior irritabilidade, pouca paciência. Estas alterações no comportamento acabam por diminuir a capacidade de controlar as reacções e até afectar o trabalho dentro de uma equipa.
O impacto na capacidade de atenção e de concentração também aumenta a propensão para lapsos, erros e acidentes: não trancar o carro, entrar na porta errada de um edifício ou provocar um acidente rodoviário por não reparar num semáforo vermelho, por exemplo.
Sistema respiratório
Qualquer tipo de condição respiratória que leve a um aumento do esforço para respirar está relacionada com problemas do sono, desde a rinite alérgica, passando pela asma, até à apneia obstrutiva do sono. Esta última é a condição respiratória do sono mais comum em adultos e crianças, e provoca noites mal dormidas devido a sucessivos despertares durante a noite.
O sistema imunitário e os vírus
Há estudos que indicam que doentes em privação de sono têm maior risco de infecção, quando expostos a vírus respiratórios.
Do ponto de vista do sistema imunitário, há também investigação que observou pior resposta imunológica, depois da administração de vacinas antivirais, em pessoas em privação de sono.
Sistema cardiovascular
A insónia está ligada ao aumento do risco de doenças cardiovasculares como hipertensão, arritmia, acidente vascular cerebral ou enfarte do miocárdio, e ao aumento de morte por estas patologias. Nos últimos anos, vários estudos têm atribuído uma importância cada vez maior ao acto de dormir na saúde cardiovascular, ao ponto de a Associação Americana do Coração ter acrescentado o sono à lista de monitorização da saúde cardiovascular, em Junho do ano passado.
Tanto o número insuficiente de horas de repouso como a fragmentação do sono são factores de risco. Durante o sono, a frequência cardíaca e a pressão arterial diminuem, permitindo o repouso do coração e dos vasos. A falta dessas horas pode sobrecarregar o sistema, causando complicações ao longo do tempo.
Os despertares nocturnos entram na equação, ao activar o nosso sistema nervoso simpático, que activa a resposta a situações de stress. Há uma aceleração súbita dos batimentos cardíacos e um aumento da pressão arterial, a pessoa fica num estado de alerta e pode ter dificuldade em voltar a adormecer.
Do lado das causas, distúrbios cardíacos como a insuficiência cardíaca provocam noites mal dormidas devido a sintomas respiratórios como falta de ar, tosse ou dor torácica. E voltamos a encontrar a apneia do sono, muito comum em doentes que sofrem de doença cardiovascular.
Sistema digestivo
A que horas posso jantar?
É importante ter atenção à hora de jantar. O ideal é que não se coma muito, nem tarde: refeições altamente calóricas dificultam o início do sono, e deitar pouco depois de comer pode ser contraproducente tanto para a digestão como para o descanso.
O sistema digestivo também pode ser a origem das insónias no caso de pessoas que tenham refluxo gastro-esofágico ou outras condições gastrointestinais, como a síndrome do intestino irritável, que provocam mal-estar nocturno e contribuem para dificuldade em adormecer e para a ocorrência de despertares.
Dormir mal dá fome?
A privação de sono aumenta o apetite por alimentos mais calóricos e de compensação mais imediata. Ao não dormirmos o suficiente, o estômago e o intestino produzem mais grelina, a hormona responsável por nos dar a sensação de fome. Ao mesmo tempo, diminuem os níveis de leptina, que controla o apetite e regula o metabolismo e estimula os gastos energéticos. Com mais fome e menos controlo do apetite, há uma tendência para excessos alimentares e todos os problemas que daí resultam, a começar pelo aumento de peso.
A insónia também pode contribuir para o aparecimento da diabetes e outros problemas hormonais. O sono é essencial para a regulação do sistema endócrino, que controla a produção de hormonas como a insulina, responsável por regular os níveis de açúcar no sangue. A privação de sono pode tornar as células menos capazes de responder à insulina, um factor de risco para diabetes tipo 2.
Sistema endócrino
Existe uma relação particularmente próxima entre o sistema endócrino (o conjunto de glândulas responsáveis pela produção hormonal) e os restantes sistemas do corpo humano. Para além das que foram abordadas até aqui, falta referir as patologias da tiróide, cujos desequilíbrios já têm sido ligados a dificuldades em adormecer e permanecer a dormir.
O hipertiroidismo (quando a tiróide produz hormonas em excesso) pode ser um obstáculo na hora de adormecer, devido à estimulação que resulta de sintomas como nervosismo e irritabilidade. Outros sintomas, como suores nocturnos ou vontade frequente de urinar, podem provocar despertares indesejados a meio da noite.
Por outro lado, nas pessoas que sofrem de hipotiroidismo (um défice de produção hormonal) é comum o descanso interrompido devido à dificuldade em tolerar frio e a dores musculares e de articulações.
Músculos e ossos
A insónia também pode surgir ou ser causa de problemas musculares e ósseos. A privação de horas de sono pode afectar a produção de certas hormonas que ajudam à recuperação e ter um efeito directo no sistema músculo-esquelético.
Aumenta o risco de lesões e a probabilidade de lesões musculares e articulares, especialmente em atletas. O repouso é essencial para a recuperação da fadiga muscular, e dormir mais e melhor pode ajudar a melhorar o desempenho desportivo sem a necessidade de maior carga de treino.
Inversamente, há condições musculares e ósseas que provocam problemas no sono. O bruxismo, em que a pessoa involuntariamente aperta, desliza ou bate os dentes, pode provocar despertares devido à contracção dos músculos. E distúrbios de movimento, como a síndrome das pernas inquietas ou o movimento periódico dos membros, intensificam-se em repouso, o que resulta em maior dificuldade em adormecer ou interrupção do sono durante a noite.
FICHA TÉCNICA
Textos: José Volta e Pinto e Tiago Sá (Médico e fundador da Sleeplab) Narrativa visual: Francisco Lopes e José Alves Ilustração/animação: José Alves Desenvolvimento web: Francisco Lopes