No pátio traseiro de um prédio no Porto esconde-se uma magnólia centenária. Quem por lá vive sempre sentiu ter um “tesouro escondido” — até que, anos mais tarde, descobriu que a sua intuição estava correcta. Agora, vários cidadãos lançaram e assinaram uma petição que pede que esta magnólia no Porto seja classificada como árvore de interesse nacional e que seja protegida legalmente, “impedindo-se o seu abate no futuro”. Mas esta classificação, acusam os signatários, estará a ser dificultada por uma família de proprietários do prédio onde se encontra a magnólia.
“Trata-se de um exemplar precioso e centenário, porventura o maior e mais antigo da espécie M. denudata no país, que se encontra – longe da vista do público – no pátio traseiro de um prédio, motivo pelo qual urge redobradamente a protecção legal”, lê-se no texto da petição sobre este "ser vivo sublime", que conta com a assinatura de mais de 500 pessoas. A iniciativa da proposta ao Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) para que esta árvore, "a magnólia mais vulnerável do Porto", seja considerada de interesse público terá sido do escritor Afonso Reis Cabral.
Na década de 60, foram construídos naquele terreno dois prédios pela família Couto Soares, que tem alguns elementos que se opõem à classificação da árvore. Ao PÚBLICO, Manuela Couto Soares justifica que essa opção se deve ao facto de a magnólia, que está “ao cuidado desta família desde meados da década de 30”, não correr nenhum risco. Acrescenta ainda que não existe “grande confiança na gestão, muitas vezes errática, dos organismos públicos”, e que, por esse motivo, “a mesma família que sempre preservou a árvore não viu qualquer necessidade de a mesma ser classificada”.
“Um tesouro escondido”
A contenda começou em Janeiro do ano passado, numa altura em que a árvore se veste de branco. Afonso Reis Cabral quis abrir portas para quem tivesse vontade de contemplar aquele ser vivo, pelo qual sempre nutriu “uma enorme admiração”, contou o escritor ao PÚBLICO. “Eu cresci à sombra daquela magnólia”, que fica na parte de trás da casa dos seus pais, na Rua de São Vicente, no Porto.
Decidiu partilhar a árvore com a cidade. Escreveu uma crónica, partilhou o convite nas redes sociais e, sem contar com tamanha adesão, abriu a porta para o que diz terem sido “milhares de pessoas ao longo do dia”. E, assim, “à beleza da árvore juntou-se a beleza das pessoas que a queriam contemplar”. No meio de tanta afluência encontrou biólogos, especialistas, arquitectos paisagistas, botânicos, e então percebeu que a árvore que sempre conheceu era, de facto, especial.
Foi então que, em Março do ano passado, em conjunto com proprietários e vizinhos, Afonso Reis Cabral fez a candidatura ao Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) para a classificação da magnólia. Foi depois informado da oposição de uma família proprietária de algumas fracções, que alegava “mero inconveniente”. Para Afonso Reis Cabral, é “inexplicável”.
Afonso Eça de Queiroz Cabral, pai do escritor, abriu-nos o portão da garagem que dá acesso às traseiras do seu prédio. No centro do pátio, com alguns carros à volta, ergue-se a magnólia em todo o seu esplendor. Nesta altura, já as flores caíram e a copa enche-se de folhas verdes.
“Queremos protegê-la para o futuro, quando nós não estivermos cá para o fazer”, conta-nos o proprietário e morador do prédio. Não percebe o “inconveniente” citado pela família que se opõe à classificação, acrescentando que nenhum dos seus membros mora ali, sendo apenas proprietários.
A “luta” com o ICNF
Esta oposição não seria um problema para o proponente da classificação, porque a lei que aprovou o regime jurídico da classificação de arvoredo de interesse público (Lei n.º 53/2012) e a portaria que a regulamenta (n.º 124/2014) “nada dizem quanto à oposição dos proprietários ou co-proprietários relativamente à eventual classificação dos seus arvoredos”, lê-se no email enviado por um técnico do ICNF a Afonso Reis Cabral, que o escritor disponibilizou ao PÚBLICO.
No entanto, para “evitar eventuais processos na justiça” e para que os arvoredos em classificação não passem a ser “um transtorno”, o instituto tem indeferido requerimentos de classificação apenas com base numa "pronúncia negativa de um dos co-proprietários”, acrescentou o técnico do ICNF.
Esta quinta-feira, 16 de Março, o ICNF garantiu num comunicado que o processo ainda está a decorrer e que não foi “tomada qualquer decisão”. O escritor Afonso Reis Cabral considera que esta resposta é “uma espécie de sonsice burocrática” e espera “que a conclusão de tudo isto seja o ICNF classificar e proteger a árvore, apesar da oposição destes proprietários”.
O que há de raro nesta magnólia?
“A árvore não é particularmente rara por causa da espécie”, esclarece ao PÚBLICO Cláudia Fernandes, uma das signatárias da petição, que é também professora na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, no departamento de Geociências, Ambiente e Ordenamento de Território.
O Porto, diz, tem “vários exemplares de Magnolia denudata”, apesar de esta não ser a espécie de magnólia mais comum. O que lhe confere este estatuto não é a raridade da espécie, mas sim “um conjunto de vários atributos a acontecer em simultâneo”. Nomeadamente a dimensão e o facto de ter atingido um grande porte sem ter sido alvo de intervenção e por não ter marcas de podas, “o que é muito invulgar nas nossas cidades”. Por causa destes aspectos, esta magnólia consegue “exibir aquilo que é a sua copa natural”, muito equilibrada. “E isto é raro.”
Além disso, esta magnólia tem outra qualidade pouco comum. Geralmente, estas árvores produzem algumas flores que vão murchando e dão lugar a outras flores. Mas a magnólia da Rua de São Vicente “exibe uma floração muito exuberante e toda em simultâneo”, acrescenta a professora.
Em relação a este caso, Cláudia Fernandes deixa a nota de que “é preciso fazer um longo caminho da educação da sociedade para os benefícios das árvores” e para que se entenda “o que são as vantagens desta legislação de protecção”. Um exemplo é o facto de “a presença de uma árvore destas no logradouro de um edifício ser um factor de valorização do edifício, e dos próprios apartamentos”. Se não fosse pela importância de tudo o resto, a beleza da árvore seria argumento suficiente para a proteger.
Texto editado por Claudia Carvalho Silva