Gouveia e Melo: “A Marinha não pode esquecer, ignorar, ou perdoar actos de indisciplina”

Chefe da Armada compara insubordinação do Mondego a revolta da Bounty: “Acto não tem retorno.”

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O chefe do Estado-Maior da Armada, Henrique Gouveia e Melo, fala aos marinheiros do navio Mondego, no porto do Funchal LUSA/HOMEM DE GOUVEIA

O chefe de Estado-Maior da Armada, almirante Gouveia e Melo, subiu esta quinta-feira ao navio Mondego para dizer “olhos nos olhos” aos marinheiros que se recusaram a cumprir uma missão no passado sábado que “a Marinha não pode esquecer, ignorar, ou perdoar actos de indisciplina”.

“Que interesses os senhores defenderam? Os da Marinha não foram certamente, os vossos muito menos. Só unidos venceremos dificuldades e vocês desuniram-nos”, afirmou Gouveia e Melo na proa do navio, perante toda a guarnição, já no final da intervenção a que o PÚBLICO teve acesso.

Dirigindo-se aos 13 marinheiros que se recusaram a cumprir a missão, exortou-os: “[Ponham] as mãos nas vossas consciências para o acto que praticaram, que lamento profundamente, mas a Marinha não pode esquecer, ignorar, ou perdoar actos de indisciplina, estejam os militares cansados, desmotivados ou preocupados com as suas próprias realidades.”

“Este acto, que me entristece profundamente enquanto comandante da Marinha, depois de realizado, não tem retorno. É como se ganhasse uma vida própria, uma substância que já não é possível ignorar”, afirmou. “O vosso acto será certamente lembrado por muitos anos nesta Marinha”, disse ainda, já depois de ter comparado a situação à revolta do navio britânico Bounty, em 1789, quando um grupo de marinheiros se apoderou das armas a bordo e se amotinou.

Gouveia e Melo confirmou ter ordenado a abertura de processos disciplinares e ter participado da ocorrência à Polícia Judiciária Militar “por poderem estar em causa, para além das infracções disciplinares, questões de foro criminal”.

Ao longo do discurso, questionou as motivações dos 13 marinheiros: “Foi este acto realizado, porque estavam em causa ordens ilegítimas? Contrárias às nossas leis? Contra os nossos juramentos? Contra a nossa democracia? Contra a decência humana? Contra a nossa população? O que estava realmente em causa justificava um acto tão extremo e definitivo?”

Pegando na justificação que lhe foi dada de que o navio podia não conseguir realizar a missão atribuída, pondo em causa a vida dos militares da guarnição, o chefe da Armada questionou a decisão, por pôr em causa a cadeia hierárquica: “O comandante, último responsável pela segurança da sua unidade, o que disse é que, apesar de limitado e nas condições em que lhe foi atribuída a missão, o NRP Mondego estaria pronta para a executar.”

Lamentou, por isso, que aquele grupo de militares se tenham substituído “aos oficiais de bordo, à estrutura de comando e ao próprio comandante e, alegando o dever de tutela sob a guarnição e sobre o navio, decidiram com a sua acção impedir o NRP Mondego de navegar e cumprir com a missão atribuída”. “Mais, mostraram que não confiavam no discernimento, capacidade e conhecimentos do respectivo comandante e linha de comando. Ainda, nessa avaliação arrastaram, atribuindo-lhes o ónus da incompetência, falta ao dever de tutela e incapacidade para avaliar a situação, as estruturas de manutenção e operação que superintendem tecnicamente e comandam respectivamente os navios no mar.”

Disciplina é um “valor imutável”

No início da intervenção, o chefe da Armada já tinha lembrado que “um militar de uma guarnição de um navio de guerra distingue-se de um tripulante de um navio mercante” pelas suas “qualidades militares” e essas “emanam de valores intemporais e imutáveis no seu núcleo mais profundo, núcleo esse que nunca poderá ser colocado em causa sob perigo de desmoronamento do próprio edifício militar”. “Um desses valores é, sem qualquer dúvida, a disciplina”, afirmou, repetindo depois que a disciplina, que se materializa numa hierarquia”, é “a cola estruturante das instituições militares”.

A disciplina não é, nem nunca será, um mero acto de submissão, mas sim de um verdadeiro autocontrolo e entrega, consciente da importância da ordem, em resultado dos processos urgentes, complexos e de elevado risco típicos da actividade militar, sublinhou. E, por isso, acrescentou, “um militar nunca poderá desautorizar a linha hierárquica. O sistema nervoso central do navio é a sua linha hierárquica, a linha que vos liga ao vosso comandante, o único responsável pelos actos do seu navio perante a Marinha, o país e a história”, afirmou.

Descrevendo os factos que se seguiram, Gouveia e Melo criticou ainda: [Depois do acto de dia 11,] alguns destes elementos [fizeram] uma lista das avarias e problemas do navio [que] enviaram, sem conhecimento e autorização, para entidades externas à Marinha, com um intuito, imaginamos nós, de encontrarem apoio para os actos de insubordinação.” Para concluir: “Comprometeram a reserva necessária sobre o estado dos equipamentos militares, aparecendo esses relatos na rede Whatsapp, aberta a todo o mundo!”

O almirante não escamoteou, porém, os problemas com a manutenção dos navios e da esquadra: “É de conhecimento dos poderes instituídos o estado real da Marinha, pois nunca faltámos ao nosso dever de informar quem de direito, de forma clara e transparente, com diligência e veemência. Se estou contente com o estado da esquadra? Não! Se estamos a trabalhar empenhados, todos, em alterar esse estado de coisas? Sim!” Considera, porém, que a alteração dessa situação não só não pode acontecer num único momento, como “requererá muito esforço de todos, muita imaginação, determinação, paciência e dedicação”, tarefa em que diz estarem “todos empenhados”, incluindo a tutela, ou seja, o Ministério da Defesa.

Separando, todavia, as questões, Gouveia e Melo garantiu que a Marinha não envia “navios e guarnições para missões impossíveis”, nem põe em risco as guarnições “de forma fútil, ligeira, irresponsável”. Lembrou que um navio militar é “cheio de redundâncias, capacidades alternativas, estanqueidade em favo de abelha e com guarnições altamente treinadas não só para navegar, mas para combater, sofrer danos, resistir, e continuar a combater, sobrevivendo”.

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