Mário Laginha e Victorino D’Almeida lançam-se a “um improviso, uma viagem musical”
Já tocaram juntos em pequenas experiências, mas agora é em concerto. Mário Laginha e António Victorino D’Almeida em improviso absoluto, no Coliseu do Porto, esta sexta-feira.
Em Outubro de 2020, no foyer do Teatro Nacional de São Carlos, António Victorino D’Almeida e Mário Laginha tocaram um mesmo piano, a quatro mãos, numa “brincadeira, mais ou menos séria”, como se escreveu no PÚBLICO na altura, para apresentação do Festival CriaSons. Já o tinham feito noutras alturas, mas sempre em encontros breves. Agora, tal encontro tomou forma de um concerto, Improvisação a dois Pianos, esta sexta-feira no Coliseu do Porto Ageas, às 21h.
Como será este concerto? “A resposta, só a vou ter na sexta, lá pelas onze”, diz ao PÚBLICO Mário Laginha. Não há programa: “Sentamo-nos, começamos a tocar e quando pararmos acabou o concerto”, acrescenta. “Nunca fiz isto, há um lado meu que está assustado e outro que se sente desafiado. A experiência é apaixonante e espero que corra bem. Não deixa de ser um risco, mas o risco é muito atraente, na música. É um desafio para nós e um desafio para quem nos ouve.”
“Para mim, não é novidade. Desde sempre fiz isso”, diz por sua vez o maestro António Victorino D’Almeida. E dá como exemplo concertos a dois pianos com os pianistas Luiz Avellar, Paulo Álvares ou Carlos Azevedo, ou com o acordeonista Paulo Jorge Ferreira. “Temos de estar muito atentos àquilo que o outro faz”, explica. “O Mário sempre esteve mais ligado à improvisação do jazz, que é sujeita a regras. Mas neste caso não há regras nenhumas, é pura anarquia. Claro que cada entrada em palco é sempre um risco, mas esperamos que seja um risco controlado.”
Preocupado com a estrutura do que poderia ser o concerto, Mário Laginha disse a António Victorino D’Almeida que gostava de se encontrar com ele para falarem um bocadinho, com dois pianos, se possível: “Começámos a falar, abrimos as tampas dos pianos, e na realidade havia ideias. E uma delas, mérito dele, é que tem mesmo de ser improvisação, não devíamos ensaiar nada. Ou seja, chegamos lá e vamos, cada um com o seu mundo musical. Numas coisas temos pontos em comum, noutras não, mas isso também deve aparecer. Portanto, tudo pode acontecer. Uma coisa é certa: vai ser mesmo um improviso, absolutamente honesto, uma viagem musical.”
Onde Mário se diz sentir menos à vontade é onde acredita que o maestro está mais confortável: “As pessoas nem imaginam, mas ele pode tocar estilo Beethoven, ou Mozart, ou Bartók, enquanto o jazz é o ramo principal da minha linguagem. O ideal, aqui, é que, quando alguém tiver alguma coisa para dizer, que diga.” Para Victorino D’Almeida, o mais importante num concerto como este é o romper das barreiras que têm vindo a ser criadas a pretexto de estilos musicais: “É quase irritante a especialização em que a música caiu. Qualquer um que faz uma coisa convence-se de que é nova (mas não é) e estamos a assistir a um mundo que é contrário ao espírito de qualquer arte.”
A música, sublinha o pianista e maestro, “por mais que se queira ou não queira", parte de uma base de 12 sons. "Através de maquinaria, consegue-se fazer quartos de tom, que os cães ouvem muito bem (eu não ouço), mas o sentido crítico musical deles não será o mais apurado. Por isso, quanto mais fronteiras, barreiras e postos aduaneiros se criarem entre estéticas, pior para a música, no meu entender. É muito perigoso.” Neste concerto a dois pianos, o que se pretende é o contrário disso: “Não sei o que vamos fazer, mas tudo indica que iremos abordar os mais variados estilos. E serão todos perfeitamente coabitantes de uma mesma verdade: é tudo música! Isto é quase uma atitude de rebeldia contra essas separações e fronteiras.”