Gelo do Árctico sofreu um knock-out em 2007 e não conseguiu mais recuperar
Cientista compara o mínimo de 2007 no gelo do Árctico ao momento em que um pugilista sofre um knock-out. Todos os socos magoam, mas esse golpe é demasiado forte para recuperar.
O gelo do mar Árctico diminuiu drasticamente em 2007 e nunca mais recuperou. Um artigo publicado na Nature esta semana sugere que a perda foi uma mudança fundamental e que é improvável que seja revertida neste século, se é que alguma vez o foi - será, assim, uma prova de um dos pontos sem retorno que os cientistas avisaram que o planeta poderia passar à medida que aquece.
A conclusão vem de três décadas de dados sobre a idade e espessura do gelo que se esvai anualmente do Árctico, à medida que este flui para o Atlântico Norte a leste da Gronelândia. Os cientistas do Instituto Polar norueguês encontraram uma diferença acentuada no nível do gelo antes e depois de este ter atingido um mínimo sem precedentes em 2007.
Nos anos desde então, os dados mostram que o Árctico entrou no que os investigadores chamaram um "novo regime" - um regime que traz consigo uma tendência para uma cobertura de gelo muito mais fina e mais jovem do que tinha sido antes de 2007, dizem os investigadores. Os cientistas associam esta mudança à subida da temperatura dos oceanos no Árctico em rápido aquecimento, impulsionada pelas emissões de gases com efeito de estufa.
"A nossa análise demonstra o impacto duradouro das alterações climáticas no gelo marinho do Árctico", escrevem os autores do artigo publicado esta semana na revista Nature.
O knock-out
Walt Meier, um cientista do National Snow and Ice Data Center da Universidade do Colorado em Boulder, comparou o mínimo de 2007 a um pugilista que recebeu um murro de knock-out. Todos os socos que sofre enfraquecem o pugilista, mas esse maior golpe é demasiado para o pugilista superar.
Isto não quer dizer que o gelo do Árctico seja completamente eliminado, mas quer dizer que não terá capacidade de recuperar rapidamente. "Está numa nova situação, um novo equilíbrio, e não se conseguirá voltar facilmente para onde se estava", disse Meier, que não esteve envolvido na investigação publicada agora na Nature.
Os dados sobre o provável máximo de gelo do mar Árctico deste ano, que o centro de dados sobre gelo dos EUA divulgou na quarta-feira, confirmam o que as tendências recentes já diziam: os 5,64 milhões de milhas quadradas de cobertura de gelo observados no passado dia de 6 de Março foi a quinta menor de todos os registos. Esta altura coincide geralmente com a média para o máximo anual de gelo do Árctico.
Seguir a viagem do gelo
A nova análise dos cientistas do instituto norueguês baseia-se em dados recolhidos do Estreito de Fram, uma passagem entre a Gronelândia e o arquipélago norueguês conhecida como Svalbard, através da qual o gelo do mar Árctico flui regularmente no seu caminho para o Atlântico Norte. Os sistemas de radar subaquáticos podem detectar o volume de gelo que flui por cima, enquanto satélites e bóias rastreiam o movimento do gelo e o tempo que este passa no Árctico antes de escapar do pólo.
Os investigadores descobriram uma mudança dramática ocorrida em 2007, quando o centro de pesquisa de gelo no Colorado relatou uma cobertura recorde de gelo marinho, 38 por cento menor do que o normal e 24 por cento menor do que o recorde anterior, estabelecido em 2005.
Até 2007, observaram o gelo marinho com uma variedade de espessuras e idades, muitas vezes com colisões de blocos de gelo mais antigos que se juntam. Mas em anos mais recentes, os blocos de gelo têm sido mais suaves e de espessura mais uniforme, o que indica que são mais jovens e de vida mais curta.
Esta é uma preocupação por várias razões: pode significar uma perda de habitat para os animais que vivem no Árctico e um declínio no efeito albedo, que é quando o gelo reflecte a luz solar de volta ao espaço. Um Árctico com menos gelo absorve mais do calor do sol.
Globalmente, os blocos de gelo passam menos 37% de tempo no Árctico antes de escaparem através do Estreito de Fram para derreterem no Atlântico, ou cerca de 2,7 anos, em média, desde 2007, concluiram os autores do artigo. A quantidade de gelo com uma espessura superior a 4 metros a passar pelo estreito caiu mais de 50 por cento após o recorde mínimo de 2007.
Um novo ciclo?
A investigação reforça estudos anteriores que mostram perdas de quase todo o gelo mais antigo e espesso que outrora cobria o Árctico, e confirma que os blocos de gelo circulam à volta do Árctico e pelo Estreito de Fram mais rapidamente à medida que a cobertura de gelo se parte.
O estudo responde às preocupações manifestadas pelos cientistas desde o recorde baixo registado em 2007 (e desde que foi quebrado em 2012). Na altura, alguns perguntaram-se se seria o início de um colapso épico. Isso não aconteceu, mas também não houve um ressurgimento significativo.
Os investigadores têm-se mostrado relutantes em ser demasiado assertivos sobre potenciais mudanças no sistema de gelo do mar Árctico como um todo, porque há muita variabilidade na cobertura de gelo de ano para ano, disse Meier. O novo estudo poderá mudar isso, diz Walt Meier. "Eles montam neste artigo um bom caso e reúnem muitos dados para dizer, sim, há uma mudança fundamental e estamos neste novo regime", disse Meier.
Alguns discordam, contudo, de uma das conclusões dos investigadores. "Não estou convencido de que seja irreversível", disse Harry Stern, um matemático e investigador de gelo marinho do Laboratório de Física Aplicada da Universidade de Washington. "Se se inverterem as condições, pode-se inverter as alterações na espessura do gelo."
Os autores do estudo dizem, no entanto, que isso levaria muito tempo mesmo sob os cenários mais optimistas de aquecimento global e redução de emissões. Mesmo que as emissões de dióxido de carbono caíssem para zero algures nos próximos 50 anos, seria preciso esperar várias décadas para o oceano perder todo o calor acumulado desde que os humanos começaram a queimar combustíveis fósseis e a emitir gases com efeito de estufa.
"O conteúdo de calor oceânico nas áreas de formação de gelo marinho aumentou", os autores escreveram numa resposta por e-mail a perguntas do The Washington Post, concluindo, por isso, que:"sugerimos que as mudanças são irreversíveis, pelo menos com o clima actual".