Pedro Carvalho de Almeida tinha 500 sapatilhas guardadas num escritório. Muitas delas, encontrou-as escondidas em caves e armazéns, sem ninguém que as quisesse calçar. “Sempre gostei muito de patinhos feios”, justifica-se o curador da exposição que mostra calçado desportivo de marcas portuguesas desde o Estado Novo.
Depois de vários anos a juntar sapatilhas, um passatempo que vem desde a infância, a colecção pessoal de Pedro Carvalho de Almeida saiu da arrecadação para a Casa do Design de Matosinhos. Entre as mais de 500 sapatilhas de marcas conhecidas, como a Sanjo e Cortebel (mas passando também por exemplares únicos, como as que foram feitas com os restos dos cortinados da avó), a exposição apresenta-se como uma viagem pela história e legado da indústria portuguesa do calçado.
Pedro estudou durante 20 anos a arqueologia das marcas e mostra agora “num só sítio, a história, a origem e a evolução das sapatilhas em Portugal”. A maioria das marcas expostas (97%) já não existe, conta, e muitos já não as saberão identificar. Para o curador, marcas como a Caltéx, Dallas, Tulipa Negra ou Ruquita ajudam a retratar a realidade da sociedade portuguesa em diferentes momentos da sua história. “Os objectos são fabricados por pessoas e destinam-se a serem usados por pessoas”, diz o curador, que incluiu na exposição relatos de quem os fez e usou. Além de partilhar recordações pessoais, o curador quer que a exposição funcione como um “activador de memórias".
"Há aqui a nossa identidade, a nossa cultura. Esta foi a realidade dos portugueses há 30 ou 40 anos e muitas das marcas e modelos que estão aqui são os que ninguém queria calçar, porque preferiam as marcas estrangeiras. Mas passados estes anos, o efeito é o contrário, e estes modelos muitas vezes rejeitados pela nossa sociedade na altura, hoje oferecem a diferença e estão repletos de história”, explica o curador.
Organizada por núcleos, o tema da sustentabilidade e o impacto ambiental da indústria do calçado tem mais informação do que exemplares. “A indústria do calçado é, possivelmente, uma das mais poluentes”, diz o curador, acrescentando que o sector tem de começar a procurar "novas abordagens que possam ajudar a minimizar este problema”.
Esta é a primeira vez que Pedro Carvalho de Almeida vê a sua colecção reunida num só espaço. Além das sapatilhas, traz imagens antigas dos trabalhadores, das fábricas, dos moldes ainda em metal utilizados para fabricar o calçado, desenhos e esboços.
Num dos expositores, abriu o diário numa página que assinala uma data especial: o dia em que o coleccionador comprou as primeiras sapatilhas de marca. Ao lado, lá estão elas, as únicas que não são portuguesas. "Le Coq Sportif, esta marca é registada e é uma marca internacional. Além de serem tudo isso, são quentinhas, confortáveis, têm ar condicionado (respiração), são próprias para todo o tipo de terreno e estão autografadas por um grande tenista mundial, o Arthur Ashe", escreveu Pedro, quando tinha dez anos, antes de rematar: "Também são muito caras." Agora, interessam-lhe mais as que já têm quilómetros de histórias — e estão repletas de fungos.
Texto editado por Renata Monteiro