A cerveja Letra celebra dez anos de “carácter minhoto” com harmonizações

De A a Z, os fundadores querem agora mostrar o “perfil muito gastronómico” da Letra, nascida no Minho há uma década. “Queremos levar a cerveja para diferentes momentos de consumo.” E abrir em Lisboa.

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A Cervejeira Letra cumpre uma década rui oliveira

Há um ano, o desafio colocado ao chef do Fava Tonka, Nuno Castro, pelos mentores das cervejas artesanais Letra foi usar cerveja num prato. Na altura, idealizou um prato de batata nova, fermento assado e nabiças: a cerveja foi para o molho. No “regresso” da Letra ao restaurante vegetariano de Leça da Palmeira, esse prato veio para a mesa, porém o repto foi mais amplo, uma harmonização de vários pratos com cervejas “para mostrar o perfil muito gastronómico das cervejas Letra”, diz Francisco Pereira, um dos criadores da Letra. “Nós fornecemos as cervejas, o chef o montou o menu”, explica - um menu, assinala Nuno Castro, “inspirado em pratos que temos ou já tivemos”. Não percorremos todo o abecedário da Letra (que vai no G, na gama principal), mas vamos da A à Tonka Ride, com algumas passagens por barricas.

São vários piscares de olho das cervejas ao vinho e tudo faz parte, acreditam Francisco Pereira e Filipe Macieira (o outro mentor da Letra), da evolução do consumo da cerveja. “Não há cultura de cerveja ainda em Portugal e a cerveja está só agora a fazer o mesmo caminho do vinho”, defendem os fundadores da marca que este ano comemorará dez anos de vida.

“Nós queremos levar a cerveja para outro patamar, para diferentes momentos de consumo”, assumem, e querem colocá-la em restaurantes onde “há mais preocupação com a bebida”, como este Fava Tonka (ou a Taberna do Calhau, em Lisboa, onde haviam estado na semana anterior - “nada vegetariano”, brincam). E assim, cá estamos, já ultrapassado o couvert e a entrada, com a primeira cerveja, e a “mais fácil”, da marca, a Letra A, a acompanhar - é uma Blonde Ale, “suave e fresca”.

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A Letra quer mostrar o seu A a Z nelson garrido

Seguimos para uma Triple IPA, a 9.º Aniversário, feita para essa ocasião, em 2022, uma das cervejas de lata da marca. A transição do vidro para as latas está no horizonte, assinala Filipe, não só por motivos ambientais, mas também pela “parte dos lúpulos da cerveja, que são muito sensíveis à luz e na lata conseguem manter-se bem”. Nesta cerveja, o aroma é tropical e, na verdade, começa-se com doçura (quase um sumo); contudo, termina-se em amargor (com os lúpulos, e são vários, a manifestarem-se). É ideal, dizem, para pratos picantes, gorduras intensas - e está a acompanhar um prato que foi “puxar ao receituário tradicional”, sublinha Nuno Castro. Empada de cogumelos e castanha, esparregado e molho bordalês, “sem vinho tinto, com cerveja”.

Passamos para a Letra F, uma American India Pale Ale, que passou de ser a menos vendida à mais procurada. “O consumidor evolui”, diz Filipe, “estas cervejas com mais lúpulos entranham-se”. E aqui faz-se acompanhar por “uma interpretação da bifana que é um bom showcase para a cerveja, no molho forte”, aponta o chef: raiz de aipo, parathas e molho de bifana.

O terceiro momento é de cerveja maturada em barrica de carvalho durante dois anos, a Oak Golden Sour (que pertence à gama Letra on Oak). Absorveu a madeira e tudo o que por ela já havia passado e o resultado aproxima-se mais de uma sidra ou um vinho natural do que de cerveja. A acidez predomina e, portanto, Filipe avalia que o melhor momento para a provar é mesmo durante uma harmonização, “se não, ninguém diz que é cerveja”. “As sour têm capacidades que as outras não têm”, descreve, “9% de álcool que não se nota pela acidez, presença de barrica muito forte. Há complexidade e equilíbrio”. Esta Golden Sour é mais vendida para fora, para os países nórdicos, e nesta harmonização faz as vezes de espumante, digamos - acompanha cogumelos eringy (congelados aqui para mudar a textura), molho à Bairrada e torresmos (que são, na verdade, fermento).

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Francisco Pereira e Filipe Macieira dr

Depois de uma cerveja “vínica”, digamos, passamos a uma Stout, a Letra C, que nos enche a boca de maltes de cevada a acompanhar batata nova, puré de fermento assado e nabiças com molho de redução de… Stout. Deixamos a Stout (ainda que não totalmente) para a sobremesa, que vem em dose dupla, ao jeito de “agora escolha”: a Oak Dark Sour ou a Tonka Ride (a primeira Imperial Pastry Stout produzida pela Letra), qual cremos que combina melhor com o bolo de cacau, levedura de cerveja e Stout acompanhado por gelado de limão?

A Dark Sour (dois anos em barrica de vinho do Porto), pela sua acidez (temperada com notas de madeira) é a que dá mais “luta” ao doce; a Tonka Ride, neste caso, é pura redundância - não fosse ela feita com cacau, coco e favas Tonka, doce como uma verdadeira sobremesa. É também mais “rara”: apenas 300 latas na colecção Minho Perspectives, a gama da Letra de edições limitadas feitas de pequenos lotes de latas de cerveja com rótulos especiais de homenagem ao terroir da Letra (no caso da Tonka Ride é uma imagem do banco do elevador do Bom Jesus de Braga).

Do Minho, o tal terroir, para o país, é assim que quer continuar a Letra, que até 2026 espera levar o seu “carácter minhoto” até Lisboa, em mais uma Letraria. Por enquanto, está prevista para breve a abertura em Guimarães, que se juntará às de Braga, Porto, Ponte de Lima e Vila Verde. É em Vila Verde que está o epicentro da Letra e a sua Letraria aí é um verdadeiro brewpub, permitindo visitas acompanhadas à fábrica de onde saem 32 mil litros de cerveja por mês (a capacidade é de 40 mil).

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