Parque Biológico de Gaia acolhe jovens com deficiência há 30 anos

Há 20 jovens com deficiência que se juntam para plantar e trabalhar a natureza. Parque quer educar para a conservação da natureza e tem também um centro de recuperação de animais.

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O Parque Biológico de Gaia é um espaço verde e educativo de 35 hectares com mais de 1000 animais de 300 espécies que este ano completa 40 anos MANUEL ROBERTO/ARQUIVO

Todos os dias, de manhã cedinho até ao fim da tarde, faça chuva ou faça sol, duas dezenas de jovens com deficiência mudam plantas, fazem jardinagem, recolhem lixo e limpam caminhos no Parque Biológico de Gaia.

"Ui, eu faço tanta coisa", responde à agência Lusa Ana Cristina Oliveira, de 37 anos, utente da Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental (APPACDM) de Gaia, instituição que mantém há 30 anos um protocolo com o Parque Biológico de Gaia que já resultou na integração de dois jovens nos quadros do parque.

Fã de chás, sendo os preferidos de hortelã-pimenta ou de lúcia-lima, plantas que a própria cultiva e apanha nos viveiros do parque, Ana Cristina sai de casa às 8h para "entrar ao serviço bem cedo" e faz o percurso a pé com outro utente da APPACDM, o Tiago Castro, de 27 anos, que por ser craque em futsal concilia o trabalho com os treinos.

"Tenho muita força e aproveito tudo para ser mais forte: o trabalho aqui, os treinos, tudo. Aqui faço de tudo um pouco e até já acompanhei visitas com crianças", conta à Lusa, orgulhoso do título de campeão europeu pela Associação Nacional de Desporto para Desenvolvimento Intelectual (ANDDI) que alcançou em 2018, em Itália, mas também "e muito" do que "ensina e aprende" no Parque Biológico de Gaia, no distrito do Porto.

Ana e Tiago integram um grupo, cuja equipa técnica tem, a tempo parcial ou integral, dois monitores, uma psicóloga, uma coordenadora de projecto, uma terapeuta da fala e uma assistente social.

À Lusa, os monitores Fernando e Maria descrevem "um ambiente familiar" que os motiva a "puxar cada vez mais pelos jovens".

"Uns têm mais evolução que outros, mas notam-se evoluções. A autonomia melhora", diz Maria Barbosa que completou, este ano, 40 anos de APPACDM.

Fernando Monteiro, monitor no parque há 16 anos, acrescenta: "Aqui não se trabalha só a natureza, também se fazem actividades complementares, corrige-se e ensina-se, e aprendemos todos. É um trabalho muito gratificante tanto para eles como para nós".

Integrada no dia-a-dia dos 20 utentes da APPACDM de Gaia que trabalham no Parque Biológico, foi criada recentemente uma actividade que consiste em tomar o pequeno-almoço fora.

O objectivo é que os utentes socializem inseridos na comunidade vizinha, aprendam a gerir o dinheiro ao fazerem o pagamento ao balcão e a rectificação do troco, e percebam que existem mais ofertas para além das refeições que recebem diariamente da instituição.

"Procuramos trabalhar a capacitação. Faz parte do nosso trabalho prepará-los para a vida. Mas isso também começa em casa com a família", descrevem os monitores.

Também o director do Parque Biológico, Henrique Alves, e o presidente da APPACDM, Joaquim Nascimento, saúdam o "sucesso" de um protocolo considerado por ambos "inovador".

"Os utentes encontram aqui uma forma de se ocuparem. É um grupo que desenvolve uma actividade regular, presta um óptimo serviço ao município e ganha competências. Este protocolo é um grande exemplo", considera o director do Parque Biológico, opinião que é partilhada pelo presidente da APPACDM.

"Temos os jovens espalhados pelo parque a desenvolver actividades úteis num ambiente salutar. Sentem que são úteis. São pessoas mais autónomas e mais preparadas para a vida", concluiu.

Com outra designação, a APPACDM de Gaia foi criada na década de 1970, contando com várias estruturas, entre os quais lares residenciais e um centro de recursos para a inclusão.

Parque Biológico de Gaia existe há 40 anos

Localizado em Avintes, o Parque Biológico de Gaia é um espaço verde e educativo de 35 hectares com mais de 1000 animais de 300 espécies que este ano completa 40 anos. A sua missão é educar para a conservação da natureza e o sonho de fazer a diferença.

"A expansão foi muito grande, mas o crescimento não foi só em visitantes e dimensão. A própria ideia e a utilização do espaço evoluiu", diz o director do Parque Biológico de Gaia.

Em entrevista à agência Lusa, Henrique Alves desabafa sobre os desafios actuais, mas também transmite esperança e, sobretudo, orgulho no percurso de um espaço adquirido pela Câmara de Gaia, no distrito do Porto, para horto e viveiro municipal que começou por ter dois hectares e actualmente tem 35.

Admitindo que explicar o que é um Parque Biológico porque não é um zoo, mas também não é um museu nem um jardim botânico, sendo um bocadinho disto tudo "não é fácil", o biólogo garante que a missão de há quatro décadas continua a mesma.

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Parque Biológico de Gaia Manuel Roberto/ARQUIVO

"Na década de 80 viviam-se os grandes problemas dos ecossistemas e da conservação e era necessário transmitir essa mensagem às pessoas, sobretudo às crianças (...). Como ambientalista, quando comecei nesta luta, pensei que hoje estaria muito melhor do que realmente estamos. Ainda é necessário partir muita pedra", refere.

Director de um parque que "foi criado com o intuito de educar" e onde "tudo serve para educar", Henrique Alves admite que a missão "está mais difícil", porque "existem muita concorrência e coisas que distraem as pessoas do lema 'pensar global é agir local', já para não falar da guerra e dos problemas económicos", mas porque "já não existem espaços que possam de facto considerar-se santuários".

Mas, apesar disso, o director promete que no Parque Biológico de Gaia não desistirá.

"No início o perfil dos nossos visitantes era maioritariamente de grupos escolares. Actualmente tem vindo a equilibrar-se com o público regular a aumentar. Isto é um óptimo sinal", conta. O Parque Biológico de Gaia recebe, em média, 102 mil visitantes por ano.

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As crianças correspondem a grande parte das visitas ao Parque Biológico de Gaia Manuel Roberto/ARQUIVO

A equipa do espaço, que tem uma unidade de cuidados intensivos para animais selvagens, tem cerca de 80 pessoas, desde tratadores a biólogos, veterinários e pessoal administrativo.

No parque desde 1997, Henrique Alves conhece-o quase como a palma das mãos, mas às vezes ainda se perde ou encontra surpresas. O trabalho burocrático ocupa-o dentro do gabinete, mas não esconde que se sente "privilegiado" por trabalhar num espaço onde os "pius" dos pássaros se confundem com o barulho das crianças que por ali passeiam.

"É muito importante manter a missão, o sonho: educar para a preservação das espécies", frisa, acrescentando o apelo para que as pessoas não larguem na natureza animais feridos ou que já não lhes são convenientes em casa, e procurem, primeiro, instituições que os possam reabilitar.

Reabilitação de animais selvagens

"Entregam-nos todo o tipo de animais, até borboletas. Temos um Centro de Recuperação da Fauna Selvagem que recebe anualmente milhares de bichos para recuperação: animais encontrados feridos, caídos do ninho, atropelados ou que levaram um tiro na época de caça. Se o animal estiver em bom estado é libertado na natureza. Se não estiver, fica a fazer parte da nossa colecção", descreve.

À Lusa, e ainda em jeito de alerta, o director conta que até tartarugas ou répteis animais que não fazem parte da vocação do Parque Biológico de Gaia são entregues ali.

"É que enquanto a tartaruga é pequenina e brinca no aquário, está tudo bem. Depois, quando começa a comer o peixinho ou a morder o dedo da criança deixa de ter graça. Mas é sempre melhor entregar nos centros do que libertar na natureza onde vão competir com as outras e destruir os habitats. Actualmente, por excesso de lotação, já não temos capacidade para receber [animais exóticos], mas encaminhamos para instituições vocacionadas", descreve.

Além de particulares, as entregas são feitas pela Brigada de Protecção Ambiental (BriPA) da PSP, pelo Serviço de Protecção da Natureza e do Ambiente (Sepna) da GNR e por corporações de bombeiros.

Das várias estruturas de um parque que vai comemorar os 40 anos com dias abertos, festivais, oficinas e exposições, destacam-se o auditório, com capacidade para 220 pessoas, e a hospedaria, com 46 camas.

Actualmente na hospedaria, originalmente vocacionada a visitantes, escolas e investigadores, estão alojadas famílias de várias nacionalidades que tiveram de fugir à guerra na Ucrânia, por causa da invasão russa.

Durante a pandemia da covid-19, a hospedaria foi "casa" de dezenas de profissionais de saúde deslocados das famílias.

O programa de comemorações inclui um encontro de educação ambiental "40 anos de Educação Ambiental em Portugal, que futuro?" , de 29 de Setembro a 1 de Outubro.