O ciclone Freddy, que atingiu Moçambique pela segunda vez neste fim-de-semana, já causou mais de uma centena de mortes e é o ciclone tropical mais duradouro alguma vez registado no planeta, depois de lhe ter sido atribuído nome a 6 de Fevereiro. É também o mais energético.
No Centro e Norte de Moçambique, contam-se ainda as vítimas da sua última passagem, mas pelo menos oito pessoas morreram na província da Zambézia, sete deles na cidade de Quelimane, diz a Lusa citando o Ministério da Saúde. São esperadas mais vítimas.
Mas é no Malawi que se sabe já que o ciclone fez mais vítimas, que morreram nos enormes deslizamentos de terras causados pelas chuvas torrenciais associadas ao Freddy: há 99 mortos, diz a agência Reuters, 134 feridos e pelo menos 16 pessoas estão desaparecidas. Só no hospital central de Blantyre, a segunda maior cidade, estão registados 85 mortos. Mas o Freddy afectou dez distritos do Malawi, salienta a agência.
Antes, na sua primeira passagem pela costa oriental de África, o ciclone tinha já feito 27 mortos, dez em Moçambique e 17 em Madagáscar. A Reuters fala em 136 mortos, pelo menos, mas somando todos os que são já conhecidos, haverá já mais de 160.
Países vulneráveis
Este dilúvio abateu-se sobre países já muito fragilizados. O Malawi enfrenta o pior surto de cólera de que há registo no país. “Está em todo o país, e afecta mais de 50 mil pessoas e já provocou mais de 1500 mortes”, disse Rudolf Schwenk, representante da UNICEF no Malawi, citado num comunicado das Nações Unidas. “Mais de 12 mil crianças contraíram cólera e, infelizmente, 197 – quase 200 – morreram”, acrescentou. Os deslizamentos de terras e inundações provocados pelo ciclone Freddy podem agravar o surto de cólera.
Em Moçambique, as consequências do desastre natural ultrapassam as capacidades das agências humanitárias, disse à Reuters Guy Taylor, coordenador de comunicação e parcerias da UNICEF em Moçambique em Quelimane. “Vimos muitos edifícios destruídos. O vento levou o telhado das casas das pessoas. Ainda antes da passagem do ciclone havia inundações localizadas”, explicou.
Sobre Moçambique abateu-se uma quantidade de chuva impressionante: durante o último mês, caiu tanta chuva como a que costuma cair durante todo o ano, o que aumentou o risco de os rios extravasarem as suas margens. A chuva provocada pelo Freddy em Madagáscar numa só semana foi três vezes superior à média mensal, contabilizou a Organização Meteorológica Mundial (OMM).
Em 2019, Moçambique foi atingido por um ciclone especialmente destruidor, o Idai. As alterações climáticas podem estar a tornar mais gravosos os ciclones que atingem África, em especial Moçambique e Madagáscar, porque fazem cair quantidades maiores de chuva.Um estudo do ano passado apontou nesse sentido. Foi feito por cientistas da iniciativa World Weather Attribution, embora os resultados apresentassem uma margem de incerteza muito elevada, até porque não são abundantes as observações da quantidade de precipitação nesta região e faltam dados.
Mas os dados disponíveis são consistentes com projecções para o futuro de grande precipitação associada a ciclones tropicais relacionável com as alterações climáticas, escreveu a equipa desta World Weather Attribution Initiative, que junta cientistas climáticos do Imperial College de Londres, do Real Instituto Meteorológico dos Países Baixos, do Laboratório das Ciências e do Ambiente do Instituto Pierre-Simon Laplace, em França, a Universidade de Princeton, nos Estados Unidos e especialistas no impacto de desastres naturais da Cruz Vermelha, entre outras entidades.
O que torna o ciclone Freddy intenso e invulgar?
Há vários motivos que tornam o Freddy invulgar. Um deles é que percorreu mais de 8000 quilómetros, cruzando todo o oceano Índico Sul, desde que foi baptizado a 6 de Fevereiro, pelos Serviços Meteorológicos Australianos, quando foi detectado a algumas centenas de quilómetros a Noroeste da costa da Austrália.
“É muito raro que um ciclone viaje uma distância tão grande", diz a OMM, em comunicado. “Os casos mais recentes de que há registo foram os ciclones tropicais Leon-Eline e Hudah, ambos em 2000, que, como 2023, foi um ano do [fenómeno meteorológico] La Niña”, diz a OMM.
No seu percurso, o Freddy chegou a um ciclone de categoria 5 (a mais elevada) durante 31 dias. Teve sete períodos de rápida intensificação – até agora, o máximo que tinha sido detectado tinha sido quatro períodos de intensificação de uma tempestade, diz o Washington Post. Este processo, que é alimentado pela temperatura elevada das águas à superfície, descreve um salto de mais de 50 km/hora na velocidade dos ventos em 24 horas ou menos. Uma tempestade em que isto aconteça mais de três vezes é excepcional, diz o jornal norte-americano.
Além disto, o Freddy pode ter sido a tempestade com mais energia acumulada alguma vez observada. Isto é calculado através de uma métrica denominada energia ciclónica acumulada (ACE, na sigla em inglês), que reflecte a intensidade e a duração das tempestades.
Segundo previsões do Centro Meteorológico Especializado de la Reúnion (Meteo-France) da OMM, quando chegou a Terra em Moçambique neste sábado, o ciclone Freddy podia ter cerca de 86 unidades ACE. A confirmarem-se estes valores, mencionados pelo Washington Post, isto é mais do que toda a energia de 100 das 172 últimas épocas de furacões no Atlântico. O Freddy é um gigante.
Até quarta-feira deve continuar a chuva forte em Moçambique e no Malawi, com potenciais inundações, mas o vento deverá abrandar, disse um porta-voz dos serviços meteorológicos da África do Sul ao canal de televisão digital por satélite de notícias de 24 horas sul-africano.
A Organização Meteorológica Mundial está a juntar uma comissão internacional de cientistas para analisar o ciclone Freddy. “Para determinar se é de facto o ciclone de mais longa duração de sempre. Um factor que será analisado é que durante o seu ciclo de vida, a tempestade enfraqueceu várias vezes abaixo do nível de tempestade tropical. Temos de determinar se isso afecta a nossa avaliação”, disse Randall Cerveny, num comunicado da OMM.
Notícia actualizada a 14/03/2023 às 11h40