O trabalho dos castores pode poupar “milhões de euros”

Investigadores portugueses calcularam o valor económico que os castores podem ter nos restauros dos rios.

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Os castores estão extintos em Portugal há séculos, mas há a possibilidade de voltarem devido à expansão que tem ocorrido na Europa GettyImages

Conhecidos por serem "engenheiros de ecossistemas", os castores transformam a dinâmica dos sistemas fluviais onde se instalam. De acordo com os estudos científicos, estes roedores constroem barragens que acabam por melhorar a dinâmica das margens de rios, a produção de novas zonas de protecção para outros animais, o desenvolvimento de charcas, entre outros benefícios que ajudam no restauro dos cursos de água. Mas será que é possível atribuir um valor económico àqueles serviços?

Um artigo publicado recentemente na revista Nature-Based Solutions mostra que não só é possível, como o benefício económico pode ser expressivo. Ao fim de um ano, as melhorias de uma colónia de castores no restauro de um rio poderão equivaler em trabalho humano a um valor entre os 240.000 euros e os três milhões de euros, de acordo com o cálculo feito no artigo.

“Concluímos que os castores têm o potencial de replicar acções normalmente usadas no restauro de rios, poupando possivelmente milhões de euros em intervenções [humanas]”, lê-se no resumo do artigo assinado por Daniel Veríssimo, um economista preocupado com a natureza, que faz parte da equipa da Rewilding Portugal, e Catarina Roseta-Palma, professora do Instituto Universitário de Lisboa (Iscte) e investigadora na área de economia e sustentabilidade.

"A escala de transformação que um castor consegue fazer é impressionante", diz ao PÚBLICO Daniel Veríssimo, que já observou os efeitos da actividade deste roedor fora de Portugal. Daniel Veríssimo fez um mestrado sobre os benefícios económicos da renaturalização dos ecossistemas se o castor fosse reintroduzido em Portugal. Estes roedores estão extintos em Portugal há séculos, mas há uma possibilidade real de voltarem devido à expansão que tem ocorrido na Europa e, mais especificamente, em Espanha.

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Estes roedores constroem barragens que acabam por melhorar a dinâmica das margens de rios, szymon Bartosz/GettyImages

A partir das contas feitas pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA), Daniel Veríssimo pôde responder à questão económica dos castores focando-se apenas no restauro dos rios. A agência financiou um programa de restauro de rios entre 2018 e 2020 de norte a sul do país que teve um custo aproximado de 12 milhões de euros. Anos antes, em 2013, a APA publicou um Guia de Orientação para a Intervenção em Linhas de Água com o custo de dezenas de actividades associadas ao restauro dos rios como criação de charcas, remoção de barreiras, corte da vegetação, plantação de flora, construção de caminhos pedonais, entre muitas outras.

A partir destes valores, foi possível tentar averiguar o impacto económico do trabalho dos castores. “Procurámos aferir quais as acções que poderiam ser feitas pelos castores e qual seria a magnitude esperada [dessas acções]”, lê-se no artigo. Como as actividades definidas pela APA estão apenas associadas ao restauro dos rios, o artigo assume que a análise feita “não abrange todos os serviços de ecossistema que se sabe que os castores fazem”, como a melhoria da qualidade da água, o sequestro de dióxido de carbono, entre outros.

Ainda assim, as actividades de uma colónia de castores ao fim de um ano poderão produzir uma transformação no rio, devido aos serviços prestados, que equivalerá a uma poupança entre cerca de 240.000 euros e três milhões de euros se aquelas transformações fossem operadas por trabalho humano.

Esta grande variação do valor da poupança mostra o grau de incerteza em relação a este tipo de cálculo. A equipa teve em conta que há acções que os castores vão conseguir fazer com grande probabilidade, mas há muitas outras que podem fazer em parte ou que será necessário trabalho humano para as completar. Há ainda outras acções que os castores não vão fazer de todo.

Por outro lado, contabilizaram a partir do guia da APA um preço máximo e um preço mínimo para cada acção. E, por fim, assumiram para cada acção um cenário em que a colónia de castores replica a acção várias vezes no seu território, que serão poucos quilómetros de um troço fluvial, e outro cenário em que replicam poucas vezes a acção, tendo por isso menos impacto.

No caso das acções que os autores assumem que os castores vão realizar "com muita probabilidade", como a propagação de estacas, a criação de zonas de abrigo, a criação de charcas de pequena e média dimensão e a criação de áreas de alimentação, o impacto económico dos castores será entre os cerca de 87.000 euros e os 940.000 euros, de acordo com o pior e o melhor cenário.

Mas os investigadores não têm dúvidas: “É seguro assumir que em muitos dos sítios onde a APA apoiou uma abordagem de gestão activa [do restauro dos rios] entre 2018 e 2020, os castores poderiam ter sido considerados, com uma poupança económica significativa e muitos mais co-benefícios, especialmente aqueles relacionados com a biodiversidade, a regulação da água e a prevenção de incêndios.”

Não se sabe quando é que os castores vão voltar a Portugal, mas para Daniel Veríssimo é necessário aproveitar o benefício destes mamíferos o quanto antes. “Um programa de reintrodução tem o intuito de acelerar o processo”, avança o economista, adiantando que os castores tornam os ecossistemas fluviais mais resilientes às alterações climáticas e fortalecem-nos contra os incêndios florestais.

Mas é necessário preparar essa vinda para minimizar os impactos destes roedores nas actividades humanas, avisa: "Há medidas de coexistência que ajudam a reorientar o trabalho de castores."