Gunpowder: “Lisboa precisa de evoluir. E são os imigrantes que o vão fazer”
Harneet Baweja, proprietário do Gunpowder, quer que o seu restaurante lisboeta mostre como o mar e os seus produtos ligam Portugal à costa ocidental da Índia. “Lisboa precisa de evoluir”, diz.
De uma viagem que fez com os pais em Portugal, e que o levou do Douro ao Algarve, o que Harneet Baweja mais gostou foi “o facto de a água ser gelada e os produtos serem fantásticos”. Anos mais tarde voltou para… fazer surf. E daí a abrir um restaurante foi só mais um passo. O Gunpowder de Lisboa (o original nasceu em Londres), que abriu as portas em Novembro passado, é resultado desse entusiasmo pelo surf. Por isso, é natural que, no seu menu, nunca nos afastemos muito do mar.
“Se eu gosto deste terroir, pensei, ok, o que é que posso encontrar de semelhante na Índia que possa cozinhar aqui e que seja autêntico?”, conta, para explicar por que é que, ao contrário do irmão londrino, o Gunpowder lisboeta é todo ele voltado para o peixe e o marisco.
Para Harneet, que nasceu no seio de uma família sikh de Calcutá, esta é também uma (dupla) viagem de descoberta. Por um lado, dos produtos portugueses, que tenta comprar aos melhores produtores, quer se trate de peixe e marisco, de carne ou de legumes. Por outro, da gastronomia da costa ocidental da Índia, terra natal do seu chef, Nirmat Save. “Para nós, descobrir o que queríamos fazer foi automático: cozinha da costa.”
Pode não ser a cozinha que mais identificamos com a Índia, reconhece. “Nunca escolhemos o caminho mais fácil. Portugal foi grande porque viu o mundo e quis fazer comércio com todo ele. E se for preciso um indiano a viver em Lisboa para vos forçar a ver que existe esta ligação, então seja”, diz, provocatório.
“Fomos aos melhores restaurantes de marisco em Portugal, fomos procurar os melhores produtores. Temos uma grande confiança nos nossos sabores. Talvez tenhamos sobrestimado o nosso poder, mas vem de um lugar honesto e verdadeiro”, declara, convicto. Com os produtos na mão, foram depois tentar perceber algumas especificidades portuguesas. “Apresentamos ostras porque as ostras são do nosso país, mas fazemo-las de maneira diferente, em caril, enquanto vocês as comem cruas e servidas na concha.”
Não servem o solkadi (feito à base de leite de coco, kokum, alho, coentro e malagueta) como bebida, mas usam-no no molho que acompanha o prato de raia. E, depois da recente viagem à Índia (a que a Fugas relata nestas páginas), Harneet e Nirmal trouxeram ainda mais ideias, que já se transformaram em pratos disponíveis na carta: robalo frito com especiarias e farinha de arroz, espetada de porco preto com molho de vindaloo e lulas salteadas com kokum, o fruto vermelho que dá acidez aos pratos.
Harneet tem uma mistura de entusiasmo, confiança, generosidade, alguma ingenuidade e um grande sentido de humor, por vezes quase infantil que, somados a uma capacidade de não se levar demasiado a sério ao mesmo tempo que leva o seu trabalho muito a sério, fazem grande parte do seu charme.
Por isso, quando o conhecemos melhor, encaramos de outra forma afirmações grandiloquentes como esta: “Vocês estavam destinados a ser grandes e não o são. Lisboa precisa de evoluir. A cidade está pronta para passar para o próximo nível. E são os imigrantes que o vão fazer. Os imigrantes fazem uma cidade grande. Todas as grandes cidades do mundo são-no porque os imigrantes as fizeram grandes. Quanto mais depressa aceitarem isso, mais rapidamente ela se tornará grande.”