Créditos de carbono e fogos

Este artigo vai ser polémico, por isso peço aos leitores que libertem por três minutos a mente de pré conceitos.

Em Portugal assumimos que o melhor é termos uma política de proibição de fogos. No entanto, existem alguns países onde é legal realizar-se fogo com o intuito de gerir e minimizar o potencial impacte causado pelos fogos que ocorrem durante as alturas de maior calor.

Austrália é um exemplo onde as técnicas tradicionais de gestão de fogo são utilizadas de forma científica e controlada, de forma a criar, com antecedência, zonas que, sendo queimadas, impedirão fogos maiores de proliferar nas alturas de maior calor.

No Brasil também está para aprovação um decreto-lei - Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo - que dá espaço à utilização de técnicas tradicionais de gestão de fogo, dando assim um carácter legal à colocação de fogos, de forma controlada, nas alturas mais “frescas”.

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Exercício de fogo controlado Nelson Garrido

Pode-se ler nesta política do Brasil que “uso do fogo será permitido em locais onde as peculiaridades o justifiquem para práticas agrossilvopastoris e com autorização prévia. Outras situações são para pesquisa científica aprovada a cargo de instituição reconhecida; para a prática de prevenção e combate a incêndios; na cultura de subsistência de povos indígenas, comunidades quilombolas ou tradicionais e agricultores familiares; e para a capacitação de brigadistas florestais. No caso das faixas de domínio de rodovias e de ferrovias, será possível usar o fogo para reduzir material combustível vegetal e prevenir incêndios florestais, mas devem ser adotadas medidas de contenção segundo resoluções do Comitê Nacional de Manejo Integrado do Fogo, criado pelo texto.”

A Universidade de Darwin e a Universidade de Lisboa, Instituto de Agronomia têm vindo a desenvolver trabalho sobre esta matéria em países africanos, asiáticos e na América Latina, adaptando a abordagem existente na Austrália a estes contextos. Os resultados têm sido ótimos, e têm comprovado que, com uma gestão integrada do fogo, as áreas ardidas diminuem.

A existência destas técnicas, bem como de leis que as consubstanciam, pode proporcionar a criação de créditos de carbono, que decorrem dos Gases com Efeito de Estufa que se deixam de emitir por se implementarem estas técnicas de gestão integradas.

Na Austrália já existe o mercado de créditos de carbono, onde as emissões evitadas decorrentes de “fogos evitados”, através destes métodos, são reconhecidas e valorizadas pelo mercado. Esta valorização decorre essencialmente dos cobenefícios que se criam na sociedade como geração de emprego, proteção e conservação da natureza, produção de alimentos, etc.

Nestes países o enfoque destes cobenefícios estão muito associados à população indígena e por isso em Portugal podemos pensar que esta abordagem não se aplica. No entanto não é bem assim. Em Portugal faz sentido pensar-se no mercado voluntário de carbono - cujo decreto-lei para criação deste mercado em Portugal está atualmente em consulta pública - também ao serviço das populações.

Aliás, faz sentido criar-se um mercado de carbono voluntário que recompense essencialmente as populações pelos serviços de conservação e de emissões evitadas que conseguem realizar. Obviamente que este mercado terá de gerar um valor suficiente para cobrir os investimentos realizados por todos os interlocutores e para gerar alguma rentabilidade também, mas acima de tudo não devemos esquecer que um mercado voluntário de carbono é mais do que uma fonte de receita: é uma forma de gerar rendimento que deve ser, na sua maioria, reinvestido em projetos verdes que ajudem ao bem-estar das comunidades e que contribuam para a efetiva descarbonização da economia.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico