Governo reconhece má reputação dos mercados de carbono, mas destaca a oportunidade

Para atingir a neutralidade carbónica, será preciso trabalhar não apenas na redução das emissões mas também “no reforço da capacidade de sumidouro do país”, sublinhou o ministro Duarte Cordeiro.

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Duarte Cordeiro, ministro do Ambiente e da Acção Climática LUSA/RODRIGO ANTUNES

A credibilidade é fundamental para o futuro Mercado Voluntário de Carbono português e o Governo diz estar bem ciente disso - e quer contributos para garantir que não falha. Esta percepção ficou patente na apresentação que decorreu esta sexta-feira, em Lisboa, que contou com intervenções do ministro do Ambiente e da Acção Climática, Duarte Cordeiro, e do presidente da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), Nuno Lacasta, assim como um debate entre representantes de entidades estratégicas.

“O mercado de carbono, não sendo uma bala de prata - e não queremos que o seja -, é uma oportunidade”, disse o ministro do Ambiente, garantindo que esta é apenas uma entre várias soluções no longo percurso de combate às alterações climáticas.

No sentido de atingir a neutralidade carbónica em 2050 - objectivo que Portugal pretende antecipar em cinco anos, recordou Duarte Cordeiro -, o Estado tem que trabalhar não apenas no que toca à redução das emissões - “ainda hoje ainda não temos financiada toda a nossa agenda transformadora para reduzir emissões”, notou o ministro-, mas também “no reforço da capacidade de sumidouro do país”.

A “neutralidade carbónica”, recordou Duarte Cordeiro, não significa zero emissões: “significa que compensamos com a capacidade de sumidouro as nossas emissões”. Calcula-se que seja preciso garantir uma compensação de cerca de 13 mil toneladas de CO2 através de captura natural de carbono (maioritariamente em área florestal). Duarte Cordeiro afirma que o “principal objectivo político” do Governo com esta proposta é que “acrescente valor à floresta”, procurando “ajudar a floresta a aumentar a sua capacidade de sumidouro natural”.

O ministro da Acção Climática reconheceu que a reputação dos mercados voluntários de carbono “tem um grau muito variável”, sendo actualmente um tipo de mecanismo “permeável ao greenwashing”, mas sublinhou a proposta do Governo de haver verificadores ambientais. “Isto é que é a novidade deste nosso projecto: não há outros mercados de carbono com este nível de responsabilização”, afirmou Duarte Cordeiro.

A consulta pública da proposta do Governo termina a 11 de Abril e não há previsão de quando é que o futuro Mercado Voluntário de Carbono estará operacional, mas Duarte Cordeiro revelou que várias entidades já manifestaram o seu interesse em embarcar. “Queremos desde logo que essa regulação contribua para aumentar o grau de confiança dos investidores”, referiu o ministro.

“Quem arranca primeiro tem aqui o dever de explicar onde é que o processo está complicado”, disse ainda, piscando o olho a eventuais contributos que poderão ser apresentados durante o próximo mês de consulta pública. “Saibamos todos ir construindo patamares deste mercado voluntário e mostrar que conseguimos fazer a devida certificação destes projectos”, apelou o ministro. “Queremos que este seja um mercado de programas e projectos e não apenas um mercado de carbono”, concluiu.

“Temos que ter um sistema credível”

A apresentação da proposta do Mercado Voluntário de Carbono em Portugal coube ao presidente da Agência Portuguesa do Ambiente, Nuno Lacasta, que deixou patente que o Governo tem plena consciência das diversas críticas a este tipo de mercados, mas continua resoluto em avançar com esta solução.

“Temos que ter um sistema credível”, sublinhou Nuno Lacasta, reconhecendo que “o efeito reputacional de um mercado de carbono mal montado pode ser assassino”. Para isso, tem sido dada atenção à questão das entidades certificadoras, que serão imprescindíveis para verificar se os projectos cumprem as directrizes definidas pela APA, com base nas regras de referência internacionais para estes mercados.

Sendo Portugal um país vulnerável a fogos florestais, Nuno Lacasta sublinhou que o incentivo que este Mercado Voluntário de Carbono trará para a protecção de áreas florestais será essencial para enfrentar o desafio de assegurar a captura de “10 a 13 milhões de toneladas de carbono na biomassa no horizonte de 2050”, de forma a compensar as emissões previstas para essa altura (cerca de 10 milhões de toneladas).

Para além da essencial transparência do mercado, o presidente da APA notou que um dos focos de atenção tem estado em garantir a “adicionalidade”, ou seja, que os projectos que geram os “créditos de carbono” (que são comprados neste mercado voluntário por empresas que queiram “compensar” as suas emissões) só possam ser levados a cabo devido a este financiamento. Isto implica que os projectos não possam ter outro tipo de financiamento (como os apoios do PRR ou financiamentos municipais) ou, por outro lado, que não sejam intervenções que iriam ocorrer de uma forma ou de outra.

Nuno Lacasta sublinhou, contudo, a necessidade de encontrar um equilíbrio em termos burocráticos para “não tornar o mercado muito rígido, pouco líquido”, dificultando o seu funcionamento.

A questão da permanência, ou seja, garantir que os projectos continuam a funcionar mesmo depois de terminado o período coberto pelo crédito de carbono, assim como a verificação do seu cumprimento (“um crédito de carbono de uma floresta que dois anos depois ardeu não é aceitável”, exemplificou Lacasta) também tem sido levantada desde que a proposta do Governo foi apresentada.

Greenwashing e a integridade dos mercados

A credibilidade dos mercados voluntários de carbono - ou a falta dela - foi abordada sem rodeios por Pedro Martins Barata, vice-presidente associado da entidade internacional Environmental Defense Fund para a área dos mercados de carbono.

Os mercados voluntários de carbono têm visto um “crescimento quase exponencial”, que “neste momento ultrapassou quase dois biliões de dólares”. “É ainda um pigmeu no meio de gigantes”, ressalvou Martins Barata, em comparação com mercados regulados oficiais como o Comércio de Licenças da União Europeia, mas algumas projecções indicam que possa crescer para “100 biliões de dólares em 2030”.

Actualmente, contudo, tem havido grande “celeuma” nestes mercados internacionais, explicou, devido às alegações associadas à utilização dos créditos de carbono. “A mais utilizada é a claim de neutralidade carbónica sem especificar o que é que quer dizer ser neutro em carbono”, explica Pedro Martins Barata, dando o exemplo de petrolíferas que, através da “compensação” de emissões (ou seja, da compra de “créditos de carbono” que compensem as emissões da sua actividade), declaram ser “neutras em carbono”.

Além das contradições implícitas deste tipo de alegações de neutralidade carbónica, nos últimos meses foram publicadas vários relatórios e grandes investigações jornalísticas que mostram falhas graves na gestão destes mercados voluntários internacionais, na mediação entre compradores e projectos e, em particular, na verificação destes “créditos de carbono” (ou seja, os projectos que “garantem” a captura de carbono que as empresas não conseguem reduzir).

Pedro Martins Barata explicou que parte do trabalho da EDF tem que ver com iniciativas como os objectivos com base em ciência (Science Based Targets initiative), que aconselha as empresas sobre “quando e como a utilização de créditos de carbono é aconselhável e credível”, e a Iniciativa de Integridade do Mercado Voluntário de Carbono, que procura tipificar estes tipos de alegações para evitar o chamado greenwashing - quando esta publicidade esconde o que são, na realidade, más práticas ambientais - e para que os consumidores saibam ao certo o que foi feito para mitigar ou compensar a pegada carbónica de cada empresa.

Aliás, as denúncias sobre as falhas dos mercados internacionais têm tido consequências na credibilidade na procura dos créditos, esta procura antes “exponencial” por estes mercados estabilizou nos últimos seis meses. É preciso, resumiu Pedro Martins Barata. “resolver o problema fundamental da credibilidade do mercado de carbono”.