Portugal junta-se a países do Norte para alertar contra mais ajudas de Estado

Documento conjunto assinado por 14 capitais constitui resposta a França e Alemanha no debate sobre o novo Plano Industrial Verde da União Europeia

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Capitais europeias estão a preparar terreno para o Conselho Europeu EPA/RONALD WITTEK

A duas semanas de um Conselho Europeu em que França e Alemanha se preparam para defender uma flexibilização mais significativa das regras das ajudas de Estado na União Europeia, o governo português juntou-se a vários países de pequena e média dimensão do Norte da Europa na defesa do mercado único europeu e de ajudas de Estado que sejam apenas “direccionadas e temporárias”.

O documento de duas páginas a que o PÚBLICO teve acesso tem como título “O Mercado Único da União Europeia aos 30” e constitui um elogio por parte dos países que o assinam – Bélgica, República Checa, Dinamarca, Estónia, Finlândia, Irlanda, Letónia, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Países Baixos, Eslováquia, Eslovénia e Portugal – às vantagens trazidas pelo mercado interno criado em 1993.

Os 14 subscritores lamentam que os “últimos 15 anos apenas trouxeram pequenos progressos” no objectivo de completar o mercado único e revelam estar preocupados com a possibilidade de o mercado único poder sair fragilizado com a resposta que será dada pela União Europeia às medidas de carácter proteccionista anunciadas pelos Estados Unidos. O principal motivo de alarme está relacionado com o desejo manifestado pela França e Alemanha de flexibilizar de forma significativa as regras que limitam as ajudas dos Estados às suas empresas, como forma de responder aos apoios públicos dados pelos EUA.

O facto de países como a França e Alemanha terem uma maior capacidade orçamental para apoiar as suas empresas faz com que os países de menor dimensão temam uma distorção da concorrência dentro da UE. O facto de, durante a pandemia, quase 80% das ajudas de Estado concedidas ao abrigo de regras temporariamente mais flexíveis terem sido concedidas pela França e Alemanha, é vista como uma prova do risco que existe para a concorrência.

No documento agora publicado, os 14 governos subscritores, defendem que “ajudas de Estado direccionadas e temporárias podem desempenhar um papel importante”, mas apenas “desde que assegurem uma concorrência justa, reduzam o diferencial de inovação e evitem a fragmentação do mercado interno”. “Em qualquer dos casos, aumentar a competitividade das empresas europeias, principalmente as PME, através do fortalecimento do mercado único é fulcral se queremos manter uma base industrial ampla dentro da UE no longo prazo”, defende o documento.

O Executivo português e os restantes subscritores defendem ainda a importância de levar em conta a “dimensão social”, defendendo a necessidade de “assegurar a igualdade de oportunidades para todos e que ninguém seja deixado para trás, investindo nas qualificações e criando mais e melhores empregos”.

As capitais começam a marcar a sua posição em antecipação da reunião do Conselho Europeu de 23 e 24 de Março, quando os chefes de Estado e governo dos 27 vão discutir o novo Plano Industrial Verde esboçado pelo executivo comunitário para responder às medidas de apoio adoptadas pelos Estados Unidos no âmbito do pacote legislativo de 369 mil milhões de dólares para reduzir a inflação (Inflation Reduction Act ou IRA).

Já esta sexta-feira, a presidente da Comissão Europeia estará em Washington: Ursula von der Leyen levantará as dúvidas e objecções dos 27 aos incentivos previstos pela Administração norte-americana e que já levaram várias empresas da UE a ponderar relocalizar as suas operações, numa reunião com o Presidente Joe Biden, na Casa Branca.

O plano da Comissão, que poderá dar origem a vários actos legislativos se for validado pelos líderes europeus, assenta, numa primeira fase, numa maior flexibilização das ajudas de Estado às empresas do sector das chamadas tecnologias limpas, por exemplo através da reorientação das verbas dos planos nacionais de recuperação e resiliência, ou do programa europeu InvestEU.

Para além disso, o executivo também prevê a criação de um novo fundo soberano, que será um “instrumento estrutural de longo prazo” a que os Estados-membros poderão recorrer para financiar “projectos industriais multinacionais e estratégicos em áreas de tecnologia de ponta”. Na apresentação da proposta, a presidente da Comissão Europeia foi vaga quanto ao modelo de financiamento e ao poder de fogo deste novo fundo — mas deixou claro que esta não será a solução reclamada por vários Estados-membros, entre os quais Portugal, preocupados com as condições de igualdade de concorrência no mercado interno.

O documento agora publicado pelos 14 governos, incluindo o português, não faz qualquer referência ao fundo soberano, um instrumento que Portugal vê com bons olhos, mas que dificilmente será aceite por países como os Países Baixos ou a Finlândia que não querem novos mecanismos orçamentais comuns dentro da UE.

Portugal e Malta são os dois únicos países do Sul da Europa que assinam este documento.

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