Ao deixar de lado a substância literária ou histórica, que está em todos os seus filmes (do inicial Honra de Cavalaria, sobre as personagens de Cervantes, ao precedente Liberté, cheio de aristocratas libertinos do século XVIII e alusões a um universo sadeano), Albert Serra fica com uma tarefa nova para fazer: construir um mundo de raiz, sem o suporte de uma relação com textos, figuras e mitologias pré-existentes. Pacifiction, uma “ficção do Pacífico”, um título que quase se poderia ler como “pacificação” se não retratasse um movimento para o contrário disso, é exactamente isso, um filme onde se ergue uma versão do mundo político contemporâneo, com centro numa ilha da Polinésia onde um grupo de personagens (franceses, espanhóis, um português, polinésios) passa os dias e as noites numa espécie de letargia expectante, enquanto na sombra se desenham conspirações não necessariamente enigmáticas mas sempre pouco claras — e que o espaço aglutinador de todas estas personagens seja uma discoteca liga-se, a certa altura, a uma frase do protagonista, interpretado por Benoît Magimel, que compara a política a uma discoteca, quer dizer, a um domínio da obscuridade e da embriaguez.
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